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A importância da narração autobiográfica para a formação docente

por Elenice Lobo 

03/09/2021

 

                                                                                                                   “A missanga, todos a veem. Ninguém nota o fio que,

em colar vistoso, vai compondo as missangas.” [1]

 

A criação autobiográfica envolve transformar-se em espectador de si mesmo: o “eu” que escreve é simultaneamente narrador e personagem, observador e observado. Nesse processo de escavação dentro de si, o autor reflete sobre os diversos papéis até então desempenhados, as experiências vividas, os laços de amizade e confiança firmados, reconhecendo ao mesmo tempo suas raízes e sua individualidade. Ele revisita sua trajetória para apresentá-la ao outro, selecionando o que permanece mais significativo e procurando dar sentido ao que viu e viveu.  O resultado é uma metamorfose de percepções que passam a compor um texto de tessitura singular.

Em seu artigo publicado na revista Olhares e Trilhas, “Em busca de vestígios e sinais de um professor em formação experiencial: o que revelam suas narrativas autobiográficas?” Ferreira, Gastal e Avanzi, enfatizam “a importância do ato de narrar-se para a tomada de consciência”[2]. Defendem o uso da prática autobiográfica na formação profissional, do momento em que possibilita dar-se a conhecer-se a si mesmo, a constituir-se. O processo de autoconhecimento, que me torna “eu”, permite que o sujeito autor e o sujeito visto pelos outros tornem-se um ser único, dono de uma história. Cumpre ressaltar que quem eu sou não deve desvincular-se da prática profissional.  O Projeto Político Pedagógico da instituição em que um educador opta por trabalhar, por exemplo, deve garantir a articulação de seus objetivos como especialista com os seus valores pessoais. Como Marie-Christine Josso afirma,

“a narração da vida é uma ficção, certamente baseada em fatos reais, e é essa narração ficcional que permitirá, se a pessoa for capaz de correr tal risco, a invenção de um si autêntico.”[3]

A criação autobiográfica não requer pesquisa formal, como outros tipos de narrativas. No entanto, objetos que nos remetem ao passado, como fotografias, podem tornar-se um suporte valioso. Esses registros não apenas trazem à tona o que experienciamos naquele momento específico, mas também permitem que tenhamos acesso a instantes vividos por nossos antepassados, enriquecendo nossas raízes.

Por sua vez, o leitor de uma autobiografia não se limita à leitura do outro; ele lê, antes de tudo, a si mesmo no outro. Revive momentos e reencontra sensações do que um dia foi ou que ainda é.

Novamente citando Ferreira, Gastal e Avanzi,

[1] COUTO, Mia. O fio das missangas. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2009, p 6.

[2] FERREIRA, Gustavo L., GASTAL, Maria Luiza de A., AVANZI, Maria Rita. Em busca de vestígios e sinais de um professor em formação experiencial: O que revelam suas narrativas autobiográficas? Olhares & Trilhas, Uberlândia, vol.22, n. 2, maio/agosto, 2020, p 199.

[3] JOSSO, Marie-Christine. A transformação de si a partir da narração de histórias de vida. Educação. Porto Alegre, ano XXX, n. 3, set./dez. 2007, p 434.

 

Docente

 

São os planos em relação ao futuro, ao novo, que nos levam adiante. Mas para darmos conta dos momentos de instabilidade, das dificuldades, precisamos procurar as respostas dentro de nós mesmos e não nos outros. A arqueologia de si revela essa linha invisível que nos liga a nossos antepassados mais remotos, lembrando-nos sempre de onde viemos. Paralelamente, deixa às claras nossas potencialidades, a certeza de contarmos com o apoio e o carinho da família, de amigos, dos grupos sociais e/ou profissionais a que pertencemos. E, assim, esse ser único, parte de uma história milenar, sente-se fortalecido, com a autoconfiança e a resiliência necessárias para prosseguir.

Como dizia Michelangelo, “Cada bloco de pedra contém uma estátua e cabe ao escultor descobri-la.” Que nós, educadores, pela reflexão interna, pela autoescavação, possamos deixar à mostra a linda estátua que existe dentro de cada um de nós. Só assim seremos plenos, tanto em nossa vida pessoal quanto na profissional.

Seguem algumas dicas para a implementação de narrativas autobiográficas na formação profissional de educadores:

[1] FERREIRA, Gustavo L., GASTAL, Maria Luiza de A., AVANZI, Maria Rita. Obra citada, p 185.

 

  • Propor uma pergunta direcionadora ao grupo como: “Por que me tornei educador?” ou “Como foi minha trajetória escolar?”.
  • Orientar que as narrativas devem ser elaboradas por escrito.
  • Definir um prazo para a produção do texto de acordo com o cronograma das reuniões formativas.
  • Na data estipulada, formar grupos de 4 ou 5 integrantes, dependendo do número total de participantes, para o compartilhamento das narrativas.
  • Fazer um fechamento, com todos os participantes, em roda, a partir de uma pergunta provocadora. Ex. “Como essa experiência pode contribuir para o estabelecimento de uma relação mais solidária com meus alunos?

 

Formação docente

Bibliografia

COUTO, Mia. O fio das missangas. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2009.

FERREIRA, Gustavo L., GASTAL, Maria Luiza de A., AVANZI, Maria Rita. Em busca de vestígios e sinais de um professor em formação experiencial: O que revelam suas narrativas autobiográficas? Olhares & Trilhas, Uberlândia, vol.22, n. 2, maio/agosto, 2020.

JOSSO, Marie-Christine. A transformação de si a partir da narração de histórias de vida. Educação. Porto Alegre, ano XXX, n. 3, set./dez. 2007.

 

 

 

 

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