2020: O ponto de partida para os novos currículos nas salas de aula

por Cleuza Repulho e João Paulo Cepa

06/03/2020

 

“Ensinar será o maior trabalho do século” Alex Beard

Implementar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e mudar a forma como nos relacionamos com os conhecimentos pode ser um divisor de águas nas práticas pedagógicas. A mobilização aconteceu, muitos se envolveram, promoveram-se mudanças; Discussões que pareciam intermináveis foram concluídas. Acertos e erros, mas caminhamos!

A proposta deste texto é jogar luz neste momento, na questão mais importante deste processo: a “Implementação”, que necessariamente passa pela apropriação dos professores(as) e equipes gestoras.

O caminho não será tranquilo, nem fácil, mas acreditamos firmemente que é possível!

Currículos alinhados a BNCC: mas que mudanças estão por vir?

Em linhas gerais, a BNCC é um documento inovador e, de certa forma, disruptivo, para uma parcela das escolas brasileiras. Traz conceitos que foram incorporados à arquitetura curricular de vários países nos últimos anos com o intuito de responder às rápidas mudanças promovidas pela sociedade do conhecimento, que relativiza o conhecimento escolar frente às rápidas mudanças tecnológicas do século XXI.

Para exemplificar a profundidade das mudanças propostas pela Base, vamos abordar dois desafios que estarão presentes em todos os documentos curriculares que irão para as salas de aula em 2020: a Educação Integral e o ensino orientado por competências e habilidades.

Em se tratando da Educação Integral proposta pela BNCC pressupõe o desenvolvimento de competências para aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e aprender com as diferenças e as diversidades.(BRASIL, 2018, p.14).Competências gerais da BNCC Movimento pela Base Nacional Comum Curricular. Dimensões e Desenvolvimento das Competências Gerais da BNCC, p.2.

Sendo assim, o documento propõe que os currículos de estados e municípios incorporem o desenvolvimento intencional de dez Competências Gerais ao longo do percurso formativo dos estudantes. Isso significa que todos os processos formativos precisam auxiliar no fortalecimento de capacidades importantes para que os jovens possam interagir com a complexa sociedade do século XXI.

Ao mesmo tempo em que as Competências Gerais devem ganhar centralidade na vida escolar, a BNCC propõe mudanças ainda mais significativas na prática do professor. O foco das atividades pedagógicas deverá ser o desenvolvimento de competências e habilidades,  que definem o que  os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho).

Esse processo é desafiador para os professores e equipes gestoras (diretores e coordenadores pedagógicos), na medida que mexe em três tarefas importantes da vida docente:

  • O planejamento: com a BNCC, torna-se mais importante definir objetivos coerentes, ou seja, o que se espera que os alunos aprendam ao final de um conjunto de atividades pedagógicas. Os conteúdos (agora incorporados aos objetos de conhecimento) devem ser encarados como um repertório para o desenvolvimento das habilidades e competências, e não uma finalidade em si.
  • O ensino: a substituição de um modelo de ensino de conteúdos será um grande desafio para os professores. “Decorar” uma fórmula ou um fato histórico deixa de ser um objetivo da aula. É preciso dar sentido aos saberes escolares e estabelecer conexões com processos cognitivos mais claros, como a interpretação, o pensamento crítico ou criativo. Novas metodologias deverão ser incorporadas para permitir que os alunos saiam de um papel de expectador na sala de aula e passem a interagir com o conhecimento, construindo significados e pontes para desafios cada vez mais complexos dentro de cada componente curricular.
  • A avaliação: compreender se os estudantes são capazes de cumprir os objetivos educacionais balizados pelas habilidades da BNCC demanda dos professores um repertório de avaliações que captem elementos além da memorização. É preciso que elas ajudem a monitorar o quanto esses conhecimentos permitem aos alunos aplicá-los em realidades e contextos significativos. O grande desafio é construir instrumentos que apontem se nossos alunos são capazes de formular e testar hipóteses, construir soluções, interpretar textos, relatar fatos, etc.

Em suma, os currículos devem promover uma mudança de fluxo no planejamento das ações didáticas na escola. A imagem abaixo ilustra a mudança de foco proposta, com a transição para o ensino por competências e um novo olhar para o planejamento docente:

CEPA, João Paulo. Fundamentos Pedagógicos da BNCC. 2019. Microsoft Presentation

Espera-se que os currículos que chegarão às escolas no início deste ano letivo sejam capazes de estabelecer diretrizes claras em relação ao papel dos professores e traduzir de forma nítida as mudanças necessárias para atingimento dos objetivos estabelecidos para os estudantes. No entanto, ter um bom documento curricular não basta. A grande expectativa para o ano de 2020 é que os sistemas de ensino construam estratégias para apoiar os professores nesta tarefa de implementação curricular.

Todos são responsáveis pela implementação curricular

A implementação curricular, segundo a IBE-UNESCO (2016), refere-se à forma como o documento escrito é apresentado aos alunos e são definidos os processos de ensino, aprendizagem e avaliação para que sistemas de ensino, escolas e professores possam construir aprendizagens significativas e eficazes em sala de aula.

Os atores-chave devem ter clareza do seu papel e de suas atribuições ao longo do ano letivo de 2020 para dar o pontapé inicial. De forma sintética, apresentamos essas responsabilidades abaixo:

  • Secretários(as) de Educação: o que estão fazendo para garantir que todos os servidores terão acesso e conhecerão o documento curricular profundamente? Como a secretaria de educação pode apoiar os professores e escolas a serem inovadores e criativos no contexto de implementação curricular? O gestor não pode esquecer que será necessário fornecer os recursos necessários para implementar as propostas pedagógicas oriundas do novo documento. O engajamento do líder é fundamental para a mudança.
  • Gerentes e técnicos das Secretarias: quais ações estão sendo planejadas para que todas as escolas tenham acesso ao documento e formação continuada adequada? Como as equipes técnicas estão se organizando para acompanhar a tarefa da implementação nas visitas de acompanhamento pedagógico? O planejamento estratégico precisa considerar rotinas de avaliação e monitoramento.
  • Diretores e coordenadores pedagógicos: o engajamento é fundamental para apoiar os professores no desafio de levar os currículos para os horários de planejamento em serviço e nas formações coletivas da escola. A equipe gestora precisa incentivar e apoiar os professores na adoção de novas e diferenciadas práticas de ensino. A eles cabem, ainda, a tarefa de garantir que os espaços didáticos da escola estão equipados com bons materiais que fortaleçam as atividades pedagógicas dos professores.
  • Professores: ao professor cabe a tarefa mais importante: planejar e executar as atividades e processos pedagógicos a luz das competências e habilidades previstas pelos currículos na sala de aula. Escolher as melhores estratégias e avaliar com coerência os processos avaliativos dependem do quanto esses profissionais estão apropriados dos novos fundamentos pedagógicos propostos. É imprescindível que os professores utilizem os momentos de planejamento para aprofundar os seus conhecimentos sobre o currículo, que reflitam sobre os desafios com seus colegas e participem das ações formativas promovidas pela escola e pela Secretaria de Educação.

Descrevemos aqui, em linhas gerais, os papéis e funções de cada profissional da Secretaria e das escolas. Tudo depende, agora, do engajamento e comprometimento, aliados às condições e contextos. Neste universo chamado Educação, o desafio da mudança está colocado! Não haverá melhoria na Educação a partir da BNCC se todos os desafios relacionados ao documento não forem enfrentados pelas Secretarias de Educação e equipes escolares. Temos uma grande oportunidade de atuar de forma mais sistemática e eficiente, garantindo a tão sonhada educação de qualidade para todos!

Um ótimo ano de 2020 para todas as escolas brasileiras!

Bom trabalho!


Referências:

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC. 2017. Disponível em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_20dez_site.pdf  > Acesso 13 fevereiro 2020.

IBE -UNESCO. What Makes a Good Quality Curriculum? In: Progress Reflections n. 2. Geneva: IBE-UNESCO, 2015.

PEREZ, Tereza (org). BNCC: a Base Nacional Comum Curricular na prática da gestão escolar e pedagógica. São Paulo : Editora Moderna, 2018.

 

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Comentários sobre o texto

  1. André Linhares Medeiros disse:

    Sabemos que a maioria das redes de ensino pública não possuem os recursos necessários para a implementação na BNCC. Como transformar a educação em uma sociedade onde a cultura escolar ainda é antiga? Qual a motivação para o aluno estudar em um país onde a educação não é valorizada?

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