Cuidar e ensinar: Educação em tempos de violência

por Michael Alfredo

30/10/2025

Entrevista com Sávio Augusto Magaldi

Concedida a Michael Alfredo em 30/10/2025.

Nos últimos dias, o Rio de Janeiro vive momentos de muita tensão. As operações policiais e os episódios de violência em diversas comunidades têm deixado marcas profundas na vida de quem mora e trabalha nessas regiões.


Na Elos Educacional, acompanhamos com preocupação essa realidade, porque sabemos que cada acontecimento fora da escola também atravessa o cotidiano dentro dela. Crianças, adolescentes e educadores/as convivem diariamente com o medo, a insegurança e o desafio de aprender e ensinar em meio à instabilidade.

Convidamos o professor Sávio Augusto Magaldi, professor de Geografia no Rio de Janeiro e formador na Elos Educacional. Com anos dedicados ao trabalho em redes públicas e projetos educativos, ele compartilha conosco sua visão sobre os impactos da violência no aprendizado e como as escolas podem ser espaços de cuidado, segurança e desenvolvimento para crianças e adolescentes.

1. Sávio, o que acontece com o cotidiano escolar quando a violência chega tão perto da comunidade?

Sávio:Quando a violência atinge a comunidade escolar, o cotidiano da escola muda profundamente. O medo e a insegurança afetam alunos, professores e famílias, comprometendo a frequência, o desempenho e o vínculo com a escola. As relações se tornam mais tensas e a instituição passa a lidar com traumas e conflitos que vão além do ensino. A rotina escolar também é impactada, com interrupções e adaptações constantes. Ainda assim, esses contextos provocam reflexão e resistência: a escola reafirma seu papel social como espaço de acolhimento, diálogo e esperança, onde professores ajudam a construir um olhar crítico sobre a realidade.

2. Como é possível manter o vínculo com os estudantes quando o medo e a insegurança fazem parte do dia a dia?

Sávio: Manter o vínculo com os/as estudantes em contextos de medo e insegurança exige que a escola vá além de sua função formal e se torne um espaço de pertencimento e proteção. O primeiro passo é reconhecer a realidade do território, escutando e valorizando as vivências dos alunos e alunas. A confiança nasce da escuta sensível, do respeito e da presença constante dos/as educadores/as. Em meio à instabilidade, a maior força está em não abandonar o contato; pequenas ações, como uma mensagem ou uma palavra de apoio, têm grande impacto. Também é essencial dar sentido ao cotidiano escolar, conectando projetos e diálogos à realidade da comunidade. Em essência, manter o vínculo é um ato de humanidade: reconhecer as dores, criar conexões genuínas e reafirmar a escola como espaço de acolhimento, escuta e resistência.

3. De que forma a rotina de medo e conflito nas comunidades impacta a presença e o engajamento dos estudantes na escola?

Sávio: Quando a violência se torna parte do cotidiano, a presença e o engajamento dos estudantes são os primeiros a serem afetados. O medo e a falta de previsibilidade desorganizam a rotina escolar, tornando difícil manter frequência e continuidade nos estudos. O aprendizado, que depende de ritmo e regularidade, se enfraquece, e o vínculo com a escola se perde. Além da ausência física, há impactos emocionais: o medo compromete a concentração, a motivação e a capacidade de sonhar. Em comunidades marcadas pela criminalidade, muitos jovens assumem preocupações adultas, o que afeta profundamente o processo educativo. Diante disso, a escola precisa se reinventar, acolher e reconhecer o território em que está inserida. Nesses contextos, estar presente é um ato de coragem e resistência.

4. O que muda na escola quando a violência deixa de ser um tema distante e passa a fazer parte da vida dos estudantes?

Sávio:A escola muda profundamente quando a violência se torna parte do cotidiano. O tema deixa de ser distante e passa a aparecer nas falas, atitudes e silêncios. O medo e o luto afetam o dia a dia e exigem que o ensino seja reconstruído a partir dessa realidade. Questões como segurança e transporte passam a influenciar o próprio funcionamento da escola. Nesse contexto, o professor se torna um ponto de estabilidade e acolhimento, e a escuta ganha papel central. Mais do que ensinar sobre a violência, é preciso compreendê-la e transformá-la em reflexão, ajudando o aluno e a aluna a interpretar seu mundo e encontrar sentido. Assim, mesmo em meio à dor, a escola reafirma seu papel como espaço de pertencimento, acolhimento e esperança.

Mais do que falar sobre notas ou conteúdos, falar de educação é falar de vida.
Em tempos de medo e dor, reafirmamos nosso compromisso com uma escola que acolhe, escuta e protege, um espaço onde cada criança e adolescente possa se sentir visto, seguro e capaz de aprender.


Acreditamos que a transformação social começa na educação, e é por isso que seguimos ao lado dos/as educadores/as e das redes de ensino do Rio de Janeiro, construindo caminhos de equidade, cuidado e esperança.

 

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Referência do texto 

MAGALDI, Sávio Augusto. Entrevista sobre Educação em tempos de violência. Entrevista concedida a Michael Alfredo. Elos Educacional, São Paulo, 30 out. 2025. Disponível em: https://eloseducacional.com.br. Acesso em: 30 out. 2025.

 

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