Como a escola pode contribuir para a busca do sentido da vida pelos/as estudantes

por Patrick V. Ferreira

03/10/2022

A educação deve estar voltada para auxiliar na busca pelo sentido da vida e isso dará mais coragem a uma profissão docente que sofre com a rigidez administrativa, condições de trabalho ruins e a necessidade urgente de reumanizar a educação.

 

Para que isso ocorra, primeiramente, o sistema deve ver o humano como um ser complexo, dotado de múltiplas dimensões: 1) dimensão física, 2) dimensão sensorial, 3) dimensão emocional, 4) dimensão mental, e a “mais difícil de identificar”: 5) dimensão espiritual. De acordo com Röhr (2011), existem relações e influências entre essas dimensões e há uma hierarquia e interdependência entre elas. Não sendo possível interferir numa dimensão, sem levar em conta as demais; o desequilíbrio de uma dimensão desequilibrará as outras.

 

Contudo, a dimensão espiritual, que não se confunde com a religiosa, é o ponto de partida e de chegada para um entendimento mais completo do homem. A dimensão espiritual é o que faz o homem livre, responsável e autotranscendente. Somente se alcança a humanização quando se alcança o desenvolvimento da espiritualidade. E este desenvolvimento está estritamente relacionado ao processo educacional, pois educar é “contribuir na humanização do homem” (RÖHR, 2007, p. 57), “(…)formação humana inclui, portanto, todos os esforços educacionais na preparação do educando para encontrar a sua espiritualidade.” (RÖHR, 2011, p. 67).

 

A escola que possui uma proposta pedagógica que favorece a integração humana e a aprendizagem em uma perspectiva que considere a complexidade do sujeito auxilia o estudante na jornada em busca de sentido, que é a principal motivação do ser humano. A escola é um campo fértil para o desenvolvimento de todas as dimensões do ser humano pois envolve saberes e práticas reflexivas em diferentes contextos, que podem ser direcionados para o desenvolvimento espiritual e, consequentemente, para a humanização do indivíduo. Automaticamente, mesmo que indiretamente, ao estabelecer processos educacionais que auxiliem no desenvolvimento espiritual, na busca por um sentido da vida, as escolas estarão se tornando centros de combate ao vazio existencial, principal causa do suicídio.

 

Em segundo lugar, a demanda pela busca de sentido desafia os/as professores/as a lembrarem aos/às estudantes que eles/as são “responsáveis”. Precisam ser advertidos/as da falsa ideia de que eles devem viver o que o destino lhes reservou, seja por circunstâncias sociais, econômicas ou biológicas. Para Frankl (2005), ser responsável, está relacionado ao conceito de liberdade, deve ser entendido como a capacidade de realizar escolhas e tomar decisões, significa dar uma resposta diante de um contexto, de uma situação, é ter potencial de sair de um estado de inutilidade para comprometer-se com o futuro. É ser capaz de dar uma resposta positiva em direção à vida, mesmo em condições desfavoráveis. A responsabilidade está relacionada a essa condição de responder aos acontecimentos da vida. As respostas são dadas – ou a pessoa é responsável – porque é livre para decidir interiormente, porque existe autonomia. Mesmo que possua uma liberdade limitada diante de determinadas condições, o/a estudante será convidado a decidir sua atitude, se autoconfigurar, ou seja, sempre haverá escolhas.

 

 

E, em terceiro lugar, está a ideia de singularidade individual, um pré-requisito para autoconfiança e autoestima. A generalização é o grande mal, assim como, a fragmentação do ser humano, limitando-o diante de sua própria grandeza. A singularidade do ser humano possui uma forma especial de ser, pertencente a sua própria existência; ele é completo, subsistente em si. Isso o torna único e irrepetível, o que lhe concede a missão de conduzir a vida de modo particular e independente, existencialmente falando.

 

O sentido da vida é único para cada ser humano, assim como cada estudante é único, essencialmente e existencialmente. O que importa não é o sentido da vida de um modo geral, mas o sentido específico de cada pessoa individualmente e em um dado momento.

 

Atualmente, pode-se dizer que vivemos um sentido da vida fragmentado no qual o indivíduo não se transcende, mas vive de forma egoísta e reducionista. A cultura do consumismo e do prazer reduziu o valor do amor ao sentido do prazer hedonista e narcisista. Essa realidade leva ao esvaziamento e ao fechamento ao amor. Entretanto, não é possível viver uma vida plena de sentido, quando desprovidos de amor, pois, “(…) o amor é, afinal, a vivência em que, pouco a pouco, se vive a vida de outro ser humano, em todo o seu ‘caráter de algo único’ e irrepetível.” (FRANKL, 2016, p. 172).

 

Para atingir esses objetivos, temos que explorar o que a escola pode fazer e quais mudanças são necessárias para que isso aconteça:

Os/as professores/as podem ajudar os alunos a ver as barreiras de sentido em suas vidas, sejam elas biológicas, psicossociais ou ambientais. E podem ajudar os alunos a perceber que eles têm uma “vontade de sentido” e que precisam ir além da mera busca por prazeres momentâneos e agir de forma significativa.

 

 

Essas mudanças não exigem novos métodos de ensino ou que os métodos sejam mais eficazes, mas uma nova postura do professor: enxergar os alunos de maneira integral e incentivá-los a desenvolver suas potencialidades.

 

Ao abordar esses objetivos, os/as professores/as desenvolvem suas próprias personalidades. Nesse sentido, o/a educador/a tem que se tornar uma autoridade para o/a educando/a em termos de retidão, confiança, coerência e veracidade. O/a educador/a precisa estar consciente de sua própria condição metafísica e movido por uma visão ampla acerca do humano. É necessário que ele mesmo tenha consciência da sua própria multidimensionalidade e que esteja “atento às questões do seu tempo” sem perder a “visão do que é humano” não incorrendo no erro de reduzir o sentido da vida a uma “simples menção abstrata” (RÖHR; SILVA, 2019, p. 77). É imprescindível que ele tenha tido a experiência de refletir o sentido de sua própria existência, que tenha experimentado a autotranscendência, pois isso revelará para o/a seu/sua estudante, por meio de sua prática e da sua fala, que isso é central ao ser humano.

 

O ensino deve realizado através do diálogo aberto, respeitando a singularidade do/a professor/a e do/a aluno/a. Esta é a mensagem que precisam receber dos/as professores/as: você é uma pessoa que vale a pena, independentemente de realização, aparência ou comportamento. Você é importante para mim. Eu quero ajudá-lo a melhorar sua compreensão da matemática, gramática e outros assuntos. Também quero ajudá-lo a lidar com a agressividade e superar suas ansiedades. Eu quero ouvir o que você deseja dizer.

 

Os/as professores/as devem estar sempre conscientes do seu papel como modelos. Os/as estudantes observam para ver se suas palavras correspondem às suas ações. Por sua atitude de cuidado, os/as professores/as – na minha experiência – tornam-se parceiros/as para discutir com os/as alunos/as seus objetivos de vida e problemas, mesmo que essa não seja a intenção do/a professor/a. Essa atitude, muitas vezes, resulta em conversas íntimas que levam ao aconselhamento, que é necessário, porque, nesta fase do desenvolvimento, os jovens sofrem frequentemente de vazio existencial.

 

Alguns assuntos poderiam facilmente ser ligados a uma discussão sobre o significado da vida. As aulas de literatura podem oferecer trabalhos sobre pessoas em crises existenciais e como elas as superaram. As aulas de filosofia podem abordar questões sobre o significado da vida em filosofia. Esses assuntos muitas vezes levam os/as estudantes a refletirem ainda mais sobre uma vida com propósito. Esse trabalho pode continuar para além da sala de aula. Algumas possibilidades são:

 

  • grupos de leitura que tratam do tema do significado. São selecionados materiais de leitura que ofereçam esperança e apresentem o ser humano como autotranscendente e em busca de sentido;
  • grupos de discussão sobre questões relacionadas ao sentido da vida;
  • grupos de redação que seguem a ideia de que “escrever é ler a si mesmo”. Entre os temas sugeridos estão medo, esperança, coragem, significado, felicidade.

 

Esses esforços extracurriculares expandem possibilidades da sala de aula. O ensino, para além da instrução, ocorre com base na confiança e nas relações pessoais genuínas, entre professor/a e alunos/as ou entre os/as próprios/as alunos/as, e podem servir de instrumento para a salvação de vidas.

 

Também precisamos de seminários de formação para professores/as e grupos de compartilhamento orientados para a busca pelo sentido da vida. Entendemos que pensar na formação docente é muito mais que pensar em fórmulas salvadoras, mas um exercício constante de atenção, pensamento e modos de viver, na vida e na educação. A tarefa é buscar um núcleo de ideias mais claras sobre a questão que todos/as reconhecem como fundamental, mas, ao mesmo tempo, difícil de ser mapeada enquanto possibilidade pedagógica para o cotidiano escolar.

 

Conforme RÖHR (2015) argumenta, as exigências que fazemos aos/às educadores/as são, sem dúvida, elevadas. E o argumento mais usado é que nossos/as professores/as não estão preparados para isso. Portanto, exijamos tarefas menos complicadas. Tarefas que eles podem lidar, preferencialmente por meio de treinamento técnico. Nossa posição a esse respeito é que seguir nesse caminho nos faria perder de vista o objetivo da educação. O/a próprio/a educador/a jamais poderá ser dispensado/a da tarefa de formação como educador/a, ou seja, de tornar seu aluno/a mais humano.

 

Essas oportunidades educacionais oferecem chances de fortalecer a vontade de sentido dos jovens e adolescentes. A educação para uma vida significativa requer educação para coragem e o amor. Somente com coragem podemos educar as crianças e jovens para enfrentar os desafios da vida, incluindo coragem para suportar os golpes inevitáveis do destino. Somente com amor podemos educar para o amor, incluindo o amor pela vida. Se o sentido da vida puder ser encontrado, o suicídio deixará de ser uma opção.

 

 

REFERÊNCIAS

 

FRANKL, V. E. Um sentido para a vida: psicoterapia e humanismo. 23 ed. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2005.

 

FRANKL, V. E. Psicoterapia e sentido da vida: fundamentos da logoterapia e análise existencial. São Paulo: Quadrante, 2016.

 

RÖHR, Ferdinand. Reflexões em torno de um possível objeto epistêmico próprio da educação. Pro-posições, v. 18, n. 1 (52), p. 51-70, jan./abr. 2007.

 

RÖHR, Ferdinand. Espiritualidade e formação humana. POIÉSIS, v. 4, p. 16, 2011-11-22 2011.

 

RÖHR, Ferdinand. Formação filosófica do educador. Itinerários de Filosofia da Educação. n. 13 p. 106-116, 2015. Disponível em: < https://bityli.com/VmgdKCYq>. Acesso em: 15 set. 2022.

 

RÖHR, F.; SILVA, E. G. Fenomenologia da educação numa era de técnica e tecnologias da informação. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação – RESAFE, n. 30, p. 75-90, nov./2018-abr.2019, 2019.

 

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Suicide worldwide in 2019: global health estimates. Geneva: World Health Organization, 2021. Disponível em: < https://bityli.com/LjZPJtA>. Acesso em: 18 set 2022.

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Comentários sobre o texto

  1. Silvana Tamassia disse:

    Adorei o texto. Ele dialoga muito com as questões emergentes da nossa sociedade. Vale a leitura!

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