Se o sentido da vida puder ser encontrado, o suicídio deixará de ser uma opção

por Patrick V. Ferreira

26/09/2022

Em meados de 1927, a sociedade de Viena viveu uma crise socioeconômica extrema, resultado da guerra civil latente na Áustria; a Europa em si passava por um momento de recessão e o desemprego gerou pânico e insegurança, a ponto de que muitos/as jovens vienenses, por estarem desesperançosos/as quanto ao futuro e sem trabalho, cometeram suicídio, já que existia uma falsa relação entre ter emprego e o valor da vida. Naquela época, impressionado com altos índices de suicídio entre os/as jovens e adolescentes, o psiquiatra Viktor Frankl, organizou centros gratuitos de aconselhamento para jovens em Viena, com o propósito de oferecer uma alternativa de combate ao suicídio e obteve resultado extraordinário, pois em um ano, os suicídios caíram para zero (PEREIRA, 2015; AQUINO 2019).

 

Dentre as estratégias utilizadas nesses Centros de Atendimento, destaca-se a mobilização de famílias, escolas, instituições religiosas, imprensa, autoridades e agremiações juvenis para que todos/as os/as jovens soubessem da existência desses espaços que ofereciam a eles a oportunidade de analisar, pensar e enfrentar os seus problemas através da aprendizagem de competências para administrar seus conflitos.

 

Viktor Frankl constatou, através de suas pesquisas, que a principal causa da depressão, do alarmante índice do abuso de drogas, má conduta sexual, agressão e outros fatores de risco que afetam as juventudes são causadas pelo sentimento de frustração existencial, que pode levar ao sentimento de vazio interior, ou seja, o sentimento de falta de sentido que pode resultar no suicídio.

 

Para Frankl o vazio existencial é um fenômeno característico do século passado e do atual, sendo o problema que mais afeta os/as jovens. Para o psiquiatra vienense, por falta de referências, os/as jovens já não sabem mais o que querem e o que devem fazer de sua existência porque os/as adultos/as não lhes apresentam modelos significativos, o que lhes obriga a entrar num estado permanente de tédio, seguindo o que os/as outros/as fazem ou ordenam, uma espécie de conformismo e totalitarismo (FRANKL, 2018, p. 131).

 

 

Frankl (2012) aponta que cada época tem sua própria neurose e a da nossa época é justamente aquela gerada pelo vazio existencial. A manifestação dessa neurose coletiva, ou neurose de massa, parece se manifestar em nossa sociedade, principalmente, por meio dessa tríade: depressão, dependência química e agressão, “[…] o que significa praticamente: suicídio no sentido lato do termo, suicídio crônico no sentido da dependência de droga e, sobretudo, também violência contra os outros […]” (Frankl, 2012, p. 278).

 

O trabalho desenvolvido por Frankl com jovens suicidas e com outros problemas emocionais o levou a criar um novo tipo de tratamento, que ele chamou de Logoterapia. Um dos princípios básicos da Logoterapia é que encontrar sentido na vida pode permitir que uma pessoa sobreviva mesmo nas piores condições. Como psiquiatra, Viktor acreditava que sua tarefa era ajudar os/as adolescentes sob seus cuidados a encontrar sentido em suas vidas. Mas o maior teste de suas teorias veio durante suas próprias experiências cheias de horror em quatro campos de concentração. Ele usou os princípios da logoterapia repetidas vezes para ajudar a si mesmo e seus companheiros de prisão a sobreviverem à sua provação.

 

O suicídio é um problema real. Em 2019, mais de 700 mil pessoas se suicidaram, uma em cada 100 mortes é ocasionada por suicídio. Ele é a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos (OMS, 2021). No entanto, a mortalidade por suicídio no Brasil pode ser ainda maior tendo em vista a subnotificação decorrente do estigma social que favorece a omissão de casos. Além disso, as repercussões do ato e da tentativa de suicídio, em todo o seu espectro – envolvem não apenas o indivíduo, mas também os/as sobreviventes, incluindo familiares, amigos/as e comunidade como um todo, de forma profunda e duradoura.

 

As estatísticas apontam para a intensificação desse fenômeno, o que indica uma total falta fé no sentido e valor da vida humana. Para o criador da Logoterapia, a busca pelo sentido da vida, que se encontra no desenvolvimento da dimensão espiritual, constitui uma estratégia preventiva contra essa epidemia e experiências de frustração existencial. Se o sentido da vida puder ser encontrado, o suicídio deixará de ser uma opção.

 

Mas como encontrar o sentido da vida? Segundo Frankl (2016), a realização existencial pode acontecer por três caminhos: 1) Através dos valores criativos, “criando um trabalho ou praticando um ato”, transcendendo a sua esfera para algo no mundo, descobrindo um sentido no que se faz, por meio de uma criação, de uma produção, ao compor uma obra científica ou artística, ao lapidar uma pedra bruta, ao dar cores a uma tela e etc. 2) Mediante valores vivenciais ou experienciais, encontrando um sentido em viver algo ou amar alguém, nos relacionamentos, no encontro entre um eu e um tu. 3) Por meio de valores atitudinais, situações de sofrimento inevitável, momentos de desespero em que o indivíduo enfrenta com uma atitude de sentido, em que, mesmo diante da dor, tem-se a possibilidade e liberdade de se posicionar, transformando uma condição de sofrimento em uma realização, permitindo-lhe dar o testemunho do qual só o ser humano é capaz. É o esforço de um indivíduo em tentar encontrar uma forma de determinar sua atitude interior, mesmo quando sobrecarregado por circunstâncias miseráveis ou sofrimento inevitável.

 

“[…] encontrar um sentido na vida é experimentando algo – como bondade, a verdade e a beleza -, experimentando a natureza e a cultura ou, ainda, experimentando outro ser humano em sua originalidade única – amando-o” (FRANKL, 2018, p. 135).

 

O espaço escolar é indistintamente um dos espaços sociais mais agregadores de saberes, experiências, vivências e trocas. O seu fazer cotidiano contribui para o desenvolvimento cognitivo, social, cultural e psicológico do ser humano em todas as etapas da vida. A escola é também é um espaço que pode proporcionar condições aos/às jovens de desenvolverem relacionamentos significativos; pode auxiliar no desenvolvimento de habilidades e é um espaço que colabora para a reflexão sobre a vida humana. Estes aspectos podem significar que ela é um espaço propício para o cultivo da busca pelo sentido da vida pelos jovens.

 

 

Em uma recente pesquisa realizada por Ferreira (2021) em seis escolas da cidade de São Paulo, os/as estudantes foram questionados/as se a escola os/as auxilia na busca por um sentido para a vida deles/as e o percentual de respostas positivas foi notável, 76,5% dos/as participantes declaram que a escola é um ambiente que proporciona a busca pelo sentido da vida. Entretanto, essa mesma pesquisa revelou que os/as professores/as nem sempre contribuem efetivamente para esse processo.

 

Nem sempre dá para tratar da contribuição da escola e do/a professor/a de modo separado, pois os papéis dos dois estão imbricados no escopo amplo do processo de ensino e aprendizagem. O fato é que o neoliberalismo trouxe para a escola um espírito competitivo que, por vezes, a torna um lugar de ansiedade, somado ao medo paralisante do fracasso que inibe nossos/as alunos/as de desenvolverem suas habilidades. Um número assustador de estudantes apresenta sintomas de ansiedade, agressividade, depressão, dificuldades de relacionamento e de assumir responsabilidades e tendências ao isolamento. Ao mesmo tempo em que eles/as anseiam por contatos, sentem-se impelidos e inclinados ao consumismo e ao vício. A angústia que os/as professores/as observam em seus/suas alunos/as os fazem perceber que sua formação profissional e educacional é insuficiente.

 

A falta de uma contribuição efetiva do/a professor/a em auxiliar os/as estudantes na busca pelo sentido da vida, como relatado pelos/as participantes da pesquisa, pode, ao nosso ver, significar a ausência de abordagem dos temas que colaboram para uma reflexão em aspectos mais profundos e relevantes da vida, temas que ultrapassam o conteúdo específico das disciplinas.

 

Infelizmente alguns/algumas professores/as podem considerar como ação de educar apenas a transmissão do conhecimento historicamente acumulado. Desse modo, eles/as se isentam da responsabilidade pedagógica de mediar e problematizar, quer dizer, não se posicionam como mediadores/as entre o/a estudante e o conhecimento mais profundo, dificultando que vivências do/a estudante possam colaborar para uma aprendizagem crítica para sua ação como sujeito na sociedade.

 

Na segunda parte desse texto, vamos falar um pouco mais sobre como a escola pode contribuir para essa busca de sentido pelos/as estudantes.

 

 

REFERÊNCIAS

 

AQUINO, T. A. A. A dimensão espiritual no pensamento de Viktor Frankl e suas implicações sociopolíticas. In: REVER, v. 19, n. 3, set/dez, p. 267-277, 2019.

 

FERREIRA, Patrick V. Os desafios da escola na constituição da espiritualidade de estudantes do Ensino Médio de escolas da cidade de São Paulo. 2021. 213 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação – Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2021.

 

FRANKL, V. E. Logoterapia e análise existencial: textos de seis décadas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.

 

FRANKL, V. E. Psicoterapia e sentido da vida: fundamentos da logoterapia e análise existencial. São Paulo: Quadrante, 2016.

 

FRANKL, V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 43 ed. São Leopoldo: Sinodal, 2018.

 

PEREIRA, I. S. A ontologia dimensional de Viktor Frankl: o humano entre corpo, psiquismo e espírito. Revista da Associação Brasileira de Logoterapia e Análise Existencial, v. 4, n. 1, p. 2-13, 2015.

 

 

Gostou? Compartilhe nas suas redes!

Comentários sobre o texto

  1. Inácia Luiza Nogueira disse:

    Texto maqgnífico!

    1. Elos disse:

      Obrigada Inácia!

  2. Lilian Fotin Talib disse:

    Parabéns pelo artigo !
    As escolas precisam se capacitar para essa escuta aos/as estudantes. Numa sociedade em que o Ter apresenta valores elevados em detrimento do Ser, a mudança de valores torna-se mais complexa, mas não impossível.
    Aguardo a segunda parte desse valioso artigo.

    1. Elos disse:

      Obrigada Lilian.
      Um texto essencial.
      A Segunda parte já está disponível neste link: https://eloseducacional.com/educacao/escola-sentido-da-vida/

  3. Edilma Antunes da Silva disse:

    Bom dia ! Bem, informações essências a todos educadores ..

    1. Elos disse:

      Bom dia. Obrigada!
      Abraços!

  4. Vanderléia Maria de Araújo Gonzaga disse:

    Parabéns pelo artigo. Muito importante para nós educadores.

    1. Elos disse:

      Obrigada!
      Confira também a 2ª parte deste texto: https://eloseducacional.com/educacao/escola-sentido-da-vida/

Deixe um comentário para Elos Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

artigos relacionados

Inscreva-se na nossa Newsletter