por Silvana Tamassia
16/09/2024
Em nossa viagem recente para os Estados Unidos, conversamos com diferentes especialistas em educação e sobre o uso das tecnologias e inteligências artificiais (IAs) como uma forma de inovar e potencializar o ensino e a aprendizagem. No entanto, a adoção dessas ferramentas nas escolas exige um entendimento sobre suas possibilidades de uso e sobretudo, uma análise cuidadosa que leve em conta os desafios práticos e éticos que elas impõem e que ainda precisamos discutir e compreender como isso se dará no contexto da escola.
Uma das conversas que contribuíram muito neste aspecto foi com Paulo Blikstein, professor e pesquisador da Universidade de Columbia, em Nova Iorque (EUA) e que trouxe aspectos bastante relevantes para essa reflexão que ainda está em fase inicial no Brasil e, pelas conversas que tivemos em diferentes lugares, nos Estados Unidos também. Foi possível compreender que ainda há muito para aprendermos sobres as IAs e os desafios para sua implementação na educação.
Segundo Blikstein, um dos principais desafios enfrentados pelas escolas é a falta de infraestrutura e suporte técnico adequado. Diferentemente de empresas e universidades, que contam com departamentos de tecnologia da informação (TI) dedicados, as instituições de ensino básico geralmente carecem dessa estrutura. Isso resulta em problemas como laboratórios de informática abandonados, equipamentos tecnológicos quebrados e subutilizados, e uma dificuldade de realizar a manutenção necessária para que a tecnologia funcione de forma eficaz. Sem essa condição estrutural, a implementação de novas tecnologias acaba por não alcançar seu potencial educativo.
Além disso, é fundamental distinguir entre tecnologias voltadas para a produtividade e aquelas que visam contribuir para o aprimoramento do processo de aprendizagem. Ferramentas como editores de texto ou planilhas eletrônicas são desenhadas para otimizar tarefas e acelerar a execução de trabalhos, mas o aprendizado exige mais do que isso. O verdadeiro objetivo das tecnologias educacionais deve ser a construção do conhecimento, o que demanda esforço cognitivo e tempo por parte dos/as estudantes. Quando estudantes utilizam calculadoras ou IAs para resolver problemas sem compreender os conceitos que estão por traz, o resultado é uma aprendizagem superficial e limitada.
Um exemplo interessante trazido por Blikstein foi em comparação ao nosso corpo. Se no lugar de correr, que é um processo mais cansativo, mas que auxilia no fortalecimento muscular e no desenvolvimento dos membros inferiores como o glúteo, quadríceps, posterior e panturrilha, além dos músculos do coração, uma pessoa usasse um patinete motorizado, ela certamente faria muito mais quilômetros em menos tempo, ou seja, seria um processo muito mais rápido, porém sem os benefícios que a corrida proporciona ao corpo.
Então, principalmente para crianças e adolescentes que estão ainda em fase de formação, muitas ligações neurais deixariam de acontecer se não houvesse estímulos suficientes para que pudessem interagir, pensar e praticar para compreender profundamente determinados conceitos, o que poderia afetar o seu potencial de aprender e se desenvolver ao longo dos anos.
Assim, ao mesmo tempo em que as IAs são importantes ferramentas para melhorar processos e contribuir para maior eficácia em determinadas atividades, é preciso cuidar para que elas não substituam nosso esforço cognitivo e nosso aprendizado mais profundo. Esse é um dos grandes receios dos/as professores/as no Brasil. Porém, este é um caminho sem volta. Então, precisamos aprender mais sobre essas ferramentas para pensar em como usá-las a nosso favor.
Outro ponto trazido por Blikstein foram as condições desiguais que enfrentamos em países como o Brasil, por exemplo, especialmente no que diz respeito ao acesso às novas tecnologias. Para ele há um risco de que as escolas públicas, com menos recursos, acabem não tendo acesso a essas tecnologias ou que as utilizem para resolver problemas estruturais como a falta de professores/as, especialmente em contextos de vulnerabilidade social. Enquanto isso, instituições privadas mais privilegiadas continuam a contar com equipe docente qualificada e em quantidade suficiente, além de um ambiente de aprendizado com mais recursos para explorar as novas ferramentas disponíveis. Essa disparidade pode aprofundar ainda mais as desigualdades educacionais já existentes.
Mesmo se considerarmos que todas as escolas tenham acesso à essas tecnologias, um aspecto a ser analisado e respeitado é o tempo de absorção dessas tecnologias pelas escolas. As instituições de ensino precisam de tempo para assimilar e implementar efetivamente novas ferramentas. Introduzir tecnologias de forma apressada, sem a devida compreensão de suas implicações pedagógicas, pode resultar em desperdício de recursos e em soluções que não se adaptam às reais necessidades de estudantes e docentes.
Além disso, a formação continuada precisa ser um caminho importante para que a equipe docente possa compreender as possibilidades de uso dessas ferramentas e como incorporá-las ao planejamento de aulas, de modo que faça sentido dentro do currículo e não seja apenas um modismo, mas que seja um caminho para desenvolver nos/as estudantes habilidades e competências relacionadas ao uso dessas tecnologias importantes para uma formação integral, bem como sua inserção profissional no mundo do trabalho.
Assim, acreditamos que o avanço na integração das IAs na educação deva acontecer de maneira gradual, mas consistente. Para o professo e pesquisador Paulo Blikstein, a implementação eficaz de novas ferramentas requer pesquisas detalhadas, projetos-piloto bem conduzidos e o envolvimento ativo de educadores/as no desenho e concepção do uso dessas tecnologias, além de uma reflexão constante sobre seu impacto no aprendizado e de ajustes que garantam sua eficácia a longo prazo.
A tecnologia tem o potencial de transformar a educação, mas isso só ocorrerá se ela for introduzida com responsabilidade, respeito ao tempo de cada escola ou rede de ensino e com foco no desenvolvimento integral dos/as estudantes, em alinhamento com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Na Elos Educacional, acreditamos que o caminho para uma educação de qualidade passa pela adoção consciente e cuidadosa das novas tecnologias, sempre com a preocupação central de que os/as estudantes estejam verdadeiramente aprendendo e se preparando para os desafios do futuro.
Referências
BLIKSTEIN, Paulo. Entrevista concedida a Claudia Zuppini e Silvana Tamassia (Elos Educacional). 1 ago. 2024.
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