Educação que transforma: A formação continuada para adultos trabalhadores

por Claudia Zuppini Dalcorso

02/06/2025

O Brasil tem, historicamente, uma dívida com a escolarização da população adulta. Dados da PNAD Contínua (IBGE, 2022) revelam que mais de 50 milhões de brasileiros/as com 25 anos ou mais não concluíram a educação básica. Entre os trabalhadores/as da construção civil, da indústria, da limpeza urbana e de outros setores operacionais, é comum encontrar histórias marcadas por trajetórias escolares interrompidas. Muitas vezes, a necessidade de trabalhar desde cedo ou a falta de acesso à escola pública de qualidade impediu a continuidade dos estudos.

 

Esses sujeitos trazem consigo uma sabedoria profundamente enraizada na prática, nas relações humanas e na resolução concreta de problemas cotidianos. Paulo Freire (1996) já afirmava que “a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem” — e, quando se trata da educação de adultos trabalhadores/as, essa coragem passa por reconhecer e valorizar os saberes que vêm da experiência.

 

Quem são os/as adultos/as com escolaridade entre o Fundamental I e o Médio incompleto?

 

São pessoas que muitas vezes dominam bem a oralidade, mas sentem insegurança para ler textos mais longos, preencher um formulário oficial, compreender uma conta de energia elétrica ou dialogar em ambientes formais. Muitas têm dificuldade para interpretar mensagens no celular, acessar serviços digitais ou organizar o orçamento familiar. Outras convivem com a vergonha de “não saber escrever direito” ou “ter parado de estudar cedo demais”.

 

Mas há algo em comum que marca esse público: a vontade de aprender e de participar mais plenamente da vida social, cultural e econômica. O acesso à formação continuada, especialmente em espaços de trabalho, pode ser o ponto de virada na trajetória de muitas dessas pessoas.

 

Uma formação que parte da escuta e da experiência

 

Na Elos Educacional, temos atuado em diferentes projetos, incluindo aqueles voltados à formação de adultos/as trabalhadores/as com baixa escolarização formal. O que aprendemos com essa escuta ativa é que, para este público, a aprendizagem só se torna significativa quando:

 

  • parte de temas do cotidiano, como finanças pessoais, comunicação no trabalho, direitos trabalhistas, uso do celular, leitura de mensagens ou formulários;
  • valoriza os saberes prévios, sem impor uma lógica escolar verticalizada;
  • aposta em metodologias participativas, como rodas de conversa, estudos de caso, leitura guiada, produções visuais e simulações práticas;
  • acontece em horários acessíveis, após a jornada de trabalho, e em linguagem simples e acolhedora.

 

Como reforça a Andragogia (Knowles, 1984), o adulto aprende melhor quando vê sentido direto no que está aprendendo, quando pode aplicar imediatamente o que aprende e quando sente que seus conhecimentos anteriores são respeitados.

 

Conteúdos que dialogam com a vida

 

Ao planejar um programa de formação para esse público, organizamos os conteúdos em módulos que integram competências essenciais para a cidadania ativa, a autonomia pessoal e a inclusão social:

 

  • Leitura e escrita para o cotidiano (bilhetes, avisos, mensagens, contratos simples);
  • Comunicação e convivência no trabalho (expressar-se com clareza, escuta ativa, resolução de conflitos);
  • Educação financeira (organização de gastos, consumo consciente, planejamento familiar);
  • Uso crítico da tecnologia (celular, aplicativos de bancos, serviços públicos);
  • Direitos e deveres (relações trabalhistas, acesso a serviços);
  • Identidade, cultura popular e projeto de vida (reconhecimento da história e dos saberes de cada participante).

 

Esses módulos contribuem para que os/as participantes se sintam mais confiantes para agir, opinar, tomar decisões e reivindicar seus direitos — ou seja, para exercer plenamente sua cidadania (Cortella, 2009).

 

Educação como reconhecimento

 

A formação de adultos trabalhadores/as é, sobretudo, um exercício de reconhecimento: da potência que há em cada sujeito, das experiências vividas como fontes legítimas de conhecimento e do papel transformador da educação para além da sala de aula. Trata-se de uma oportunidade de reconstruir pontes, resgatar autoestima e criar possibilidades de futuro.

 

Ao investir na educação de trabalhadores/as adultos/as, empresas, sindicatos, prefeituras e organizações sociais não apenas ampliam a qualificação de seus quadros, mas também promovem inclusão, reduzem desigualdades e reafirmam o direito de todos e todas à educação ao longo da vida — como garante o artigo 205 da Constituição Federal.

 

 

 

Referências

  • FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
  • IBGE. PNAD Contínua – Educação 2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br
  • KNOWLES, Malcolm S. Andragogy in Action: Applying Modern Principles of Adult Learning. San Francisco: Jossey-Bass, 1984.
  • CORTELLA, Mário Sergio. Educação, escola e docência: novos tempos, novas atitudes. São Paulo: Cortez, 2009.
  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 205.

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