Educação e direitos LGBTQIAP+: desafios e possibilidades.

por Heloísa Cristina Ribeiro

09/04/2024

Muitas vezes, quando discutimos a desigualdade no Brasil, traçamos a educação como a superação de marginalidades historicamente estabelecidas. Falamos, cada vez mais, de uma educação inclusiva, que garanta o direito de igualdade de possibilidades e oportunidades no âmbito da educação.

 

Entretanto, discutir desigualdades não é uma tarefa fácil, tampouco superá-las é trivial, embora essencial para uma sociedade verdadeiramente democrática. De maneira didática, e utilizando a classificação da Organização Não Governamental Oxfam, podemos categorizar a desigualdade em duas frentes:

 

  • Desigualdades verticais: é o tipo de desigualdade relacionada estritamente à renda e classe social. O nome “vertical” se dá pela diferença na distribuição de renda e riqueza, no modelo de pirâmide.
  • Desigualdades horizontais: são as desigualdades que permeiam o mesmo grupo social, estando relacionada a aspectos identitários de populações historicamente marginalizadas; ou seja, são desigualdades baseadas em gênero, raça, casta, religião, orientação sexual, deficiências e espacial[2].

 

Apesar desta classificação ser didática, não é possível classificar aquelas pessoas que só sofrem com um tipo de desigualdade, afinal, a desigualdade é multifatorial. Isso significa que uma pessoa pobre, negra, membro da comunidade LGBTQIAP+ acaba por sofrer com diversas condicionantes que a coloca numa posição de sofrer violências e ser marginalizada da sociedade. Ou seja, sofre tanto com a desigualdade vertical quanto horizontal.

 

 

Uma boa política pública para atacar as desigualdades é, portanto, intersetorial. Uma política intersetorial é aquela que pensa a partir de várias óticas da gestão pública para o enfrentamento mais articulado dos problemas sociais.

 

Mas quais são os desafios da educação em relação à população LGBTQIAP+ e o que pode ser feito individualmente e coletivamente?

 

Desafios na educação

 

O ambiente escolar e a educação são essenciais para o pleno desenvolvimento cognitivo, intelectual e psicossocial das pessoas. Além de ser essencial para a empregabilidade e uma vida produtiva, a educação é um fim em si: garante, por exemplo, a manutenção da autoestima e o bem-estar dos/as estudantes. E, o que deveria ser um ambiente de acolhimento, para a população LGBTQIAP+ muitas vezes não o é.

 

Afinal, assim como estudado por Michel Foucault (2020), a sexualidade e o poder estão relacionados. Foucault foi um dos grandes pensadores do século passado e a sua produção reverbera nas ciências humanas até o dia de hoje. Em seu conceito de biopolítica, Foucault busca compreender de que forma as tecnologias do poder condicionam o ser. Ou seja, como somos normalizados e padronizados pelo poder.

 

Sabemos que ser LGBTIQAP+ foge à norma padrão da heteronormatividade e a violência continua a ser empregada como forma de condicionar corpos e seres. O poder pode ser normativo, por meio de legislações, visto que há ainda 69 países em que manter um relacionamento com a pessoa do mesmo sexo é proibido por lei. Mas, também, pode ser exercido por outras pessoas, instituições ou por nós mesmos.

 

No ambiente escolar, dedicado, em certa medida, para a normalização de pessoas através de um estudo comum, infelizmente muitas pessoas LGBTQIAP+ evadem devido às violências sofridas no ambiente escolar. Dados da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) nos mostram que 73% desses/as estudantes sofreram algum tipo de violência dentro do ambiente escolar. Destrinchando mais os dados vemos que:

 

  • 60% dos/as estudantes se sentiram inseguros na escola devido à sua orientação sexual; 43% por sua identidade/expressão de gênero;
  • 27% dos/as estudantes foram agredidos/as fisicamente por causa de sua orientação sexual; 25% foram agredidos/as fisicamente na escola por conta de sua identidade/expressão de gênero;
  • 56% desses/as estudantes sofreram abuso sexual na escola.

 

Ou seja, para muitos, a escola ainda não é o ambiente acolhedor, que permite o pleno desenvolvimento das habilidades cognitivas, psíquicas e sociais. Isso resulta em baixo desenvolvimento escolar, com baixa participação nas aulas, notas baixas, retenção do ano cursado, baixo desenvolvimento e acolhimento social de colegas e professores/as, bem como, em casos extremos, a evasão escolar.

 

Dados da UNICEF apontam que 2 milhões de adolescentes e jovens entre 11 e 19 anos haviam deixado a escola sem concluir a educação básica, representando 11% da amostra da pesquisa. Em estudo realizado por Reynaldo Fernandes, utilizando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério da Educação (MEC), vimos que a taxa de evasão, consolidada até 2020, é de 2,2% no Ensino Fundamental e 6,9% no Ensino Médio.

 

Quando olhamos para a população “T” (trans e travestis) a evasão chega a taxa de 82%, de acordo com a ABGLT. Isso possui consequências drásticas para esta população e para a sociedade brasileira como um todo. Dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) indicam que 90% da população “T” está fora do mercado de trabalho formal e recorrem à prostituição para seu sustento. Muitos/as estudantes, inclusive, enfrentam problema para que seu nome social seja respeitado, incluindo parte de professores/as e profissionais que atuam na gestão da escola.

 

O ambiente escolar se torna tão violento que muitos decidem “viver no armário” durante a vida escolar. A Pesquisa Nacional por Amostra da População LGBTQIAP+, conduzida pela startup Todxs, indica que 70% dos/as estudantes entrevistados/as optaram por não assumirem a sua identidade de gênero ou orientação sexual durante a vida escolar.

 

Sonhar é um direito

 

Como buscamos explicitar por aqui, para algumas pessoas, os anos escolares são um período de efetivação de sonhos, desejos, e de muito aprendizado. Para outras, sobretudo para a população LGBTQIAP+, temos os desafios de promover um ambiente mais inclusivo por meio da educação, garantindo que todos/as tenham as oportunidades e possibilidades iguais. Um mundo mais inclusivo começa dentro da sala de aula, e não cabe apenas ao/à docente levar este ensinamento, mas à toda a comunidade escolar. Aprendemos quando aplicamos; e aplicamos quando aprendemos. Assim, um/a profissional com uma escuta aberta e um olhar sensível consegue vivenciar e aplicar esse aprendizado e guiar os/as estudantes para a construção de um mundo mais democrático e mais inclusivo.

 

Assim como pensava Paulo Freire, a educação é um processo que não se esgota, e isso vale para professores/as e estudantes.

 

 

REFERÊNCIAS

KROPIDLOSKI, Í. Quebrando armários: os desafios de estudantes, pais e professores LGBTQIA+. Projeto Colabora. Disponível em: <https://projetocolabora.com.br/ods4/quebrando-armarios-os-desafios-de-estudantes-pais-e-professores-lgbtqia/>. Acesso em 29 de janeiro de 2024.

NASCIMENTO, J. et. al. Desigualdade Social: um panorama completo da realidade mundial. Oxfam, 2021. Disponível em: <https://www.oxfam.org.br/blog/desigualdade-social-um-panorama-completo-da-realidade-mundial/>. Acesso em 29 de janeiro de 2024.

OLIVEIRA, V. de. LGBTQIAP+: Documentário online e gratuito trata sobre acolhimento na escola. Porvir: Inovações em Educação, 22 de junho de 2023. Disponível em: <https://porvir.org/lgbtqia-documentario-online-e-gratuito-trata-sobre-acolhimento-no-ambiente-escolar/#:~:text=De%20acordo%20com%20dados%20da,tipo%20de%20agress%C3%A3o%20na%20escola.>. Acesso em 29 de janeiro de 2024.

SOBRAL, P. H. A. F.; LOGUÉRCIO, R. Q. LGBTFOBIA, EVASÃO NO ENSINO E IMPLICAÇÕES COM A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS. XII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, Caldas Novas, Goiás, 2021. Disponível em: <https://www.editorarealize.com.br/editora/anais/enpec/2021/TRABALHO_COMPLETO_EV155_MD1_SA109_ID1327_09082021120404.pdf>. Acesso em 29 de janeiro de 2024.

UNICEF. Dois milhões de crianças e adolescentes de 11 a 19 anos não estão frequentando a escola no Brasil, alerta UNICEF. São Paulo, 15 de setembro de 2022. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/dois-milhoes-de-criancas-e-adolescentes-de-11-a-19-anos-nao-estao-frequentando-a-escola-no-brasil>. Acesso em 29 de janeiro de 2024.

FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. Vol. 1. Ed. 6São Paulo: Paz e Terra, 2020

Para saber mais:

https://www.youtube.com/watch?v=gsDeYktIZDQ

[1] Heloísa Cristina Ribeiro é bacharel em Ciências e Humanidades, graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal do ABC, e cursa Especialização em Políticas Públicas para a Igualdade na América Latina, pela CLACSO Argentina. Foi membro do Grupo de Estudos do Sul Global (GESG/UFABC), do comitê Gestor de Direitos Humanos da UFABC e atuou como Diretora de Assuntos LGBT do Diretório Central dos Estudantes na mesma instituição. Atualmente integra o time de Estudos e Pesquisas da Fundação Podemos.

[2] O direito à cidade e a divisão espacial do território podem — e são — condicionantes para o pleno acesso a direitos e serviços do Estado, como saúde e educação.

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