Planejamento na educação infantil e as contribuições da BNCC

por Ana Luzia da Silva Vieira

05/12/2022

Planejar é sempre um desafio, não é mesmo?

E quando se trata de planejamento de aulas na educação Infantil, eu diria que o desafio é grande, especialmente pelo seu recente histórico na Educação Básica [1]. Afinal, há pouco tempo, preocupava-se apenas em cuidar das crianças e garantir a segurança e o bem-estar.

 

Você sabia que, infelizmente ainda temos redes de ensino em que não há professores/as formados/as para a faixa etária de zero a três anos? Como ficam os planejamentos? Quais são as intencionalidades pedagógicas previstas? Ou ainda, quais são os direitos de aprendizagem garantidos?

 

Ao pensar em um plano de aula de acordo com os princípios da Base Nacional Comum Curricular – BNCC, é necessário compreender que a Educação Infantil vem experimentando diversas mudanças, especialmente no que se referem às concepções de Educação e de infância e, claro, na forma de planejar.  Tem sido nesse contexto, muitas vezes de incertezas, de acertos, tentativas e erros, que a BNCC, documento normativo para todas as redes de ensino, está adentrando às creches e escolas de Educação Infantil.

 

As conquistas que giram em torno da Educação Infantil são recentes e, considerando que as mudanças culturais dentro de uma escola não acontecem repentinamente, na prática, no cotidiano escolar, nem tudo é tão simples. Muitas vezes, dentro de uma mesma unidade escolar encontramos professores/as com diferentes concepções de Educação Infantil e, nessa mesma linha, tais diferenças também entre as equipes gestoras, causando fragilidades formativas no que diz respeito aos aspectos pedagógicos relacionados à criança pequena e aos/às bebês.

 

De fato, o chão da escola, e nesse caso, da creche, é um campo fértil para reflexão. As mudanças de paradigmas sobre o que cada professor/a pensa, sente, compreende a educação não acontece rapidamente e nem ao mesmo tempo. Afinal, lidamos com a diversidade e, no caso do contexto escolar, com professores/as em diferentes momentos profissionais, formativos, culturais e consequentemente com diferentes formas de ensinar e de compreender como se dá o aprender. Daí a importância de planos formativos que ajudem a alinhar os fazeres pedagógicos.

 

Durante alguns anos, fui professora de berçário, de crianças de quatro meses até um ano e meio, na rede municipal de Santo André, região do grande ABC de São Paulo, e gostaria de trazer algumas reflexões que nos impulsionaram para as mudanças na forma de planejar. Saímos de um planejamento fragmentado, tendo como base as atividades, para um planejamento mais abrangente, respeitoso e propositivo.

 

Em nossa creche, sempre ao início do ano, as professoras se reuniam em momentos formativos para organizar um quadro de rotina que garantisse que as turmas tivessem pelo menos trinta minutos em cada um dos cantos disponíveis. O propósito dessa organização vinha ao encontro de uma melhor estrutura para que todas as turmas tivessem a oportunidade de usufruir os espaços, sem riscos de chegar e encontrar outra turma utilizando o mesmo.

 

Por sua vez, nosso planejamento, semanário, como chamávamos, era voltado para “o que fazer” no tempo/ espaço disponíveis em uma sucessão de atividades fragmentadas, sem conexão entre elas. Pensamentos “como vou planejar essa atividade para o ateliê”, “nessa semana na quadra vou propor essa brincadeira” fazia do nosso planejar uma oportunidade de pensar e refletir sobre propostas segmentadas, desenvolvendo áreas específicas em tempos reduzidos.

Nesse sentido, o olhar estava mais voltado para a educação a serviço das necessidades e especificidades estruturais da escola e do/a professor/a, especialmente pela facilidade ao realizar os planejamentos, pois a ação era preencher os quadros com atividades a serem desenvolvidas.

 

Nesse cotidiano, a engrenagem da creche funcionava automaticamente, mas quando o olhar se voltava para o desenvolvimento infantil éramos tomadas de uma grande frustração, mesmo que tivéssemos clareza das intencionalidades pedagógicas em cada uma das propostas. O planejamento de atividades pautado na organização do uso dos espaços, muitas vezes, gera experiências impessoais, homogêneas, superficiais, não permitindo à criança uma exploração mais aprofundada em suas vivências.

 

À serviço dessa engrenagem, processos de aprendizagem, de descoberta, de trocas, de aprofundamento, de conhecimento, de experiência eram interrompidos. Falas como “vamos guardar os materiais, pois nosso tempo terminou”, “Agora não, vamos fazer outra atividade no ateliê”, “deixa isso pra lá, é hora de guardar”, preenchiam nosso cotidiano. Para o berçário, então, em que o tempo de transição de uma atividade para outra envolve maior atenção, esforço e disponibilidade dos/as adultos/as, muitas vezes a opção era permanecer em sala com os/as bebês.

 

 

 

1- Modelo de semanário inicial

Não havia tempo nessa distribuição da rotina para que a criança pudesse ser, brincar, participar, expressar, conviver, conhecer-se. O/A adulto/a era o controle e o centro das necessidades. Como podíamos defender uma educação cidadã, libertadora, pensante e crítica tendo práticas que não promoviam experiências democráticas e participativas? Essas reflexões preenchiam nossos momentos formativos e, aos poucos, fomos introduzindo na prática de planejar coletivamente, formas de contribuir efetivamente para o desenvolvimento integral das crianças.

 

Dessa forma, desenvolvemos um projeto coletivo que chamamos de “espaços de interesses” que tem como principal objetivo romper com o adultocentrismo e colocar a criança na condição de protagonista de suas aprendizagens. Se queremos cidadãos/ãs autônomos/as e críticos/as por que não permitimos que as crianças façam suas escolhas? Por que determinamos sempre o que, de que forma e quando devem ser feitas as atividades? Como organizar a rotina de tal forma que privilegie a participação democrática da criança?

 

O trabalho nessa perspectiva da criança protagonista foi despertando interesse de alguns/algumas professores/as e funcionários/as, resistências de outros/as e, nesse sentido, vencemos muitos desafios. Tínhamos clareza que o projeto não poderia ser eventual, esporádico e que era importante desenvolvê-lo em diferentes momentos durante a semana. Fazer diferente, para colher resultados diferentes.

 

O projeto foi desenvolvido na creche desde 2017. Os ambientes eram preparados para que ocorressem possibilidades do brincar. Criávamos o quintal da creche! As crianças brincavam e interagiam entre elas, independente das idades, faziam escolhas sobre o que fazer, quanto tempo ficar e com quem brincar. Na turma do berçário, era só perguntar “quem quer sair para brincar?” que a maioria da turma, andando ou engatinhando, aproveitava esses momentos.

 

Os/As professores/as, além de planejar intencionalmente as propostas e organizar previamente os espaços, durante a execução do projeto, eram observadores/as, mediadores/as de situações conflituosas, acompanhando todo o processo, analisando e registrando situações de aprendizagem. Com esse projeto, que acontecia três a quatro vezes por semana, colhemos resultados significativos, especialmente em relação à autonomia, a liberdade de escolha e ao protagonismo.

 

E de que maneira a BNCC veio colaborar com nosso trabalho? 

 

A Base dialogava com tudo que vínhamos desenvolvendo na creche, validando reflexões e encaminhamentos anteriores. Tínhamos clareza que o documento, veio colaborar significativamente, para nós e demais escolas de Educação Infantil, ao esclarecer os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, organizando-os de acordo com as idades e os campos de experiências, além de reforçar a necessidade de manter a criança como foco de tudo que era realizado.

 

A BNCC manteve os eixos estruturantes, da interação e da brincadeira, estabelecidos desde as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil, DCNEI, trazendo as experiências das crianças dentro do contexto escolar como pontos fundamentais para garantir o desenvolvimento dos direitos de aprendizagem na infância. Esclareceu cinco campos de experiências que didaticamente estão divididos, mas que na prática, se entrelaçam entre si.

 

De fato, como seria possível trabalhar o campo de experiência “Eu, o outro e o nós” ou qualquer outro, de forma isolada? Da mesma forma, o campo “Corpo, gestos e movimentos” não estaria presente no cotidiano do trabalho com as crianças o tempo todo? Entendemos que o principal objetivo da BNCC é garantir o desenvolvimento integral da criança por meio de experiências significativas e diversificadas e, dessa forma o documento traz diretrizes, especificando seis direitos de aprendizagem: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se.

 

Direitos de aprendizagem e desenvolvimento na Educação Infantil[2]

  • Conviver com outras crianças e adultos, em pequenos e grandes grupos, utilizando diferentes linguagens, ampliando o conhecimento de si e do outro, o respeito em relação à cultura e às diferenças entre as pessoas.
  • Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais.
  • Participar ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento da gestão da escola e das atividades propostas pelo educador quanto da realização das atividades da vida cotidiana, tais como a escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo diferentes linguagens e elaborando conhecimentos, decidindo e se posicionando.
  • Explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a escrita, a ciência e a tecnologia.
  • Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens.
  • Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento, nas diversas experiências de cuidados, interações, brincadeiras e linguagens vivenciadas na instituição escolar e em seu contexto familiar e comunitário.

 

 

2- Modelo de semanário atual

Desde então, ao planejar, passamos a estar atentas aos campos de experiências e especialmente aos direitos de aprendizagem. Dessa forma, o planejamento tornou-se um pouco mais complexo, pois tudo é experiência com significado e sentido e acontece de forma diferente de uma criança para outra. Às vezes uma mesma proposta prioriza diferentes campos de experiências, dependendo de quem, com quem e como se experiencia.

Planejar continua sendo um desafio, mas temos clareza das nossas contribuições para o desenvolvimento e protagonismo infantil. Em nossos semanários, destacamos diariamente dois a três objetivos de aprendizagem, os quais direcionam nossas observações e coleta de dados, compreendendo que a Educação Infantil deve ser propositiva, intencional, desafiadora e que permita muitas experiências para os/as pequenos/as.

 

 

[1] Sugiro a leitura do texto “A BNCC e os campos de Experiências na Educação Infantil” por Silvana Tamassia. Nele você encontrará ótimas informações sobre o percurso histórico da Educação Infantil e os campos de experiência trabalhados na Base.

[2] Texto extraído da própria BNCC. Disponível: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf> Acesso em: 31/07/2019.

Referências

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Educação é a base. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Brasília, MEC 2017 <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf> Acesso em 31 de jul. de 2019.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação; Câmara de Educação Básica. Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Diário Oficial da União, Brasília, 18 de dezembro de 2009, Seção 1, p. 18. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2298-rceb005-09&category_slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192>. Acesso em 31 de jul. de 2019.

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