Equidade racial e o papel do/a educador/a

por Vania Oliveira Alves

02/05/2022

Djanira Santana é mulher, negra e trabalha diariamente como merendeira em uma cidade no interior da Bahia. Só agora, depois de 29 anos longe dos bancos escolares e de apoiar seus três filhos na conclusão dos estudos, ela teve a oportunidade de cursar o Ensino Médio. Quando entrevistada pelo portal de notícias Mundo Negro em relação às suas expectativas, ela conta, bastante emocionada: fazer novos/as amigos/as, aprender com os/as professores/as e entrar na universidade.

Para além do empenho pessoal de Dona Djanira, a concretização deste sonho foi viabilizada pela ação integrada e intencional de diversos personagens, no âmbito individual e coletivo. Um de seus filhos, por exemplo, enfrentou a burocrática tarefa de recuperar o histórico escolar da mãe em outro município baiano para efetivar a sua matrícula na Educação de Jovens e Adultos (EJA) – política pública, por sua vez, que só veio a ser valorizada como direito da população brasileira após a Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996.

O caso de Djanira é representativo da dura realidade sintetizada pelo professor Sílvio de Almeida em sua palestra “História da discriminação racial na educação brasileira”: enquanto o racismo for pensado de forma dissociada da educação, a equidade racial não será alcançada. Isso porque, segundo Almeida, a educação vem sendo, paradoxalmente, um dos pilares por meio do qual o racismo se perpetua na sociedade e uma das principais estratégias de construção da equidade racial.

 

 

A educação atua na perpetuação do racismo quando, por exemplo, omite as incontáveis contribuições históricas e científicas oriundas do território africano. Ou, ainda, quando penaliza mais duramente comportamentos considerados “indesejáveis” de estudantes negros/as do que seus pares não negros/as (por exemplo: analisando o “falar alto” e o “andar pela sala” de forma desarticulada ao contexto de origem do estudante e aasumindo-o como sinônimo de desrespeito ao professor), como apontam Carol Weinstein e Ingrid Novodvorsky em capítulo do livro Gestão de sala de aula: lições da pesquisa e da prática para trabalhar com adolescentes.

A esta altura você pode estar se perguntando: de que forma eu, educador/a, posso contribuir para uma educação antirracista e promotora de equidade racial? Algumas pistas emergem da própria discussão do parágrafo anterior.

O resgate do conjunto do conhecimento gerado pela população negra, bem como a sua inclusão intencional em todas as intervenções didáticas, deve ser um compromisso diário fundamentado na Lei 11.645/2008. Para isso, é necessário empreender um esforço intencional no aprendizado dessas contribuições, para além das datas comemorativas ou de temas específicos do currículo, e uma importante fonte de pesquisa nesse sentido são as publicações da professora e pesquisadora Bárbara Carine Soares Pinheiro, especialmente no âmbito das ciências humanas e exatas. Cabe a nós, portanto, estudar diariamente para romper com o eurocentrismo que herdamos de nossa formação educacional e com a invisibilização da negritude nas produções acadêmicas, artísticas e de quaisquer naturezas. Note, inclusive, que as referências deste texto são produzidas por intelectuais negros/as das mais variadas áreas do conhecimento.

Outro caminho envolve trazer à tona os nossos próprios vieses para, então, desenvolver estratégias individuais que nos impeçam de perpetuar comportamentos como os retratados por Weinstein e Novodvorsky, já descritos acima, em nossa atuação como professores/as, coordenadores/as, formadores/as ou gestores/as educacionais.

Mas Silvio de Almeida também nos reforça a importância de tratar a construção da equidade racial não só do ponto de vista individual ou moral: o racismo, segundo o autor, é uma tecnologia de poder que define, em linhas gerais, quem vive e quem morre. Quem pode ir e vir e quem não pode. Quem come e quem não come. Quem estuda e quem não estuda. Basta observar, no âmbito internacional, quais imigrantes refugiados/as costumam ser aceitos/as e quais têm, frequentemente, a sua dignidade negada. Ou, no contexto nacional, os alarmantes impactos educacionais da pandemia na educação da população negra, sobretudo das meninas negras, documentadas no relatório técnico organizado pela pesquisadora Suelaine Carneiro. Ou, na vida cotidiana, com quantas Djaniras continuamos a nos deparar nas ruas.

Como proposta final, sugiro a retomada de duas importantes reflexões trazidas anteriormente no Blog Elos: a primeira é o texto “Qual o seu papel no combate ao racismo?”, de Janaina Sousa, e a segunda é o relato de Fabiano da Silva Pinto sobre a Carta de Intenções como instrumento de planejamento docente. Que tal, a partir dessas releituras, confeccionar a sua própria Carta de Intenções referente ao desafio de promover uma educação para a equidade racial no seu contexto escolar? Fica aqui o desafio e a nossa abertura a trocas sobre o tema!

 

 

 

Referências

ALMEIDA, Sílvio de. História da discriminação racial na educação brasileira. Disponível em: <https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/cedoc/detalhe/a-historia-da-discriminacao-racial-na-educacao-brasileira-silvio-almeida-escola-da-vila-2018,481d4d7d-d05d-46d1-942c-ef67818ab4ec>. Acesso em 20 abr. 2022.

 

BRASIL. Lei 11.645/08 de 10 de Março de 2008. Diário Oficial da União, Poder

Executivo, Brasília.

 

GOMES, Raio. “Quando a gente tem um sonho, voamos em direção a ele”, diz Djanira Santana, merendeira que voltou a estudar aos 49 anos. Portal Mundo Negro. Publicado em 22 fev. 2022. Disponível em: <https://mundonegro.inf.br/quando-a-gente-tem-um-sonho-voamos-em-direcao-a-ele-diz-djanira-santana-merendeira-que-voltou-a-estudar-aos-49-anos/>. Acesso em 20 abr. 2022.

 

INSTITUTO DA MULHER NEGRA. A educação de meninas negras em tempos de pandemia: o aprofundamento das desigualdades. Org. Suelaine Carneiro. São Paulo: Geledés, 2021. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2021/04/A-educacao-de-meninas-negras-em-tempo-de-pandemia.pdf>. Acesso em 20 abr. 2022.

 

PINHEIRO, Bárbara, Rosa, Katemari. Descolonizando saberes: a Lei 10639/2003 no ensino de ciências. São Paulo: Livraria da Física, 2018.

 

PINHEIRO, Bárbara, Rosa, Katemari. Descolonizando saberes: mulheres negras na ciência. São Paulo: Livraria da Física, 2020.

 

PINHEIRO, Bárbara. História Preta das Coisas: 50 invenções científico-tecnológicas de pessoas negras. São Paulo: Livraria da Física, 2021.

 

PINTO, Fabiano da Silva. Carta de Intenções – Uma nova forma de planejar o trabalho docente na educação infantil. Publicado por Elos Educacional em 11 jun. 2021. Disponível em: <https://www.eloseducacional.com/loja/educacao/carta-de-intencoes-educacao-infantil/>. Acesso em 22 abr. 2022.

 

SOUSA, Janaina. Qual o seu papel no combate ao racismo? Publicado por Elos Educacional em 2 jul. 2021. Disponível em: <https://www.eloseducacional.com/loja/educacao/combate-racismo/>. Acesso em 22 abr. 2022.

 

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