por Solange Cezário Gomes Ribeiro Cruz
11/12/2020
A pandemia de coronavírus interrompeu as atividades presenciais de 91% dos estudantes no mundo (UNESCO, 2020). Projeções científicas, publicadas desde então, indicaram a necessidade de quarentena, a fim de reduzir o risco de contágio, com a finalidade de preservação da vida, e de que o retorno das atividades presenciais seja realizado de modo intermitente e controlado, a partir das legislações vigentes. Isso impôs uma nova realidade a todas as escolas e às Instituições de Ensino Superior (IES) o que deve permanecer para os próximos meses e, podemos considerar, com consequências para os próximos anos.
[…]No Brasil, um mês depois de declarada a emergência em saúde pública em decorrência da Covid-19 no Brasil (BRASIL, 2020a), foi instituído um Comitê Operativo de Emergência do Ministério da Educação (COE-MEC) (BRASIL, 2020b). A partir desse comitê foram publicadas a Portaria n. 343/2020 (alterada pelas Portarias n. 345/2020 e n. 395/2020) e uma Medida Provisória (n. 934/2020), as quais autorizam a substituição de aulas presenciais por aulas em meios digitais – que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação (exceto estágios, práticas de laboratório e, para os cursos de Medicina, os internatos). O conjunto de documentos […] possibilita que as instituições de Ensino Superior respondam ao período de quarentena suspendendo as atividades presenciais ou substituindo-as por aulas “em meios digitais”[…]. (GUSSO et al, 2020).
Nesse contexto, as Instituições de Ensino Superior (IES) precisaram adotar novas maneiras de ensinar e aprender e, no intuito de preservar vidas, implementar o Ensino Remoto Emergencial (ERE). Entretanto, embora essa modalidade utilize ferramentas on-line para o ensino, ela se diferencia da Educação a Distância (EaD), em termos, por algumas características e possibilidades para a educação. Vamos clarificar esses conceitos?
O desenvolvimento da EaD em uma IES, conforme a legislação vigente para a modalidade à distância – Decreto n. 9.057 de maio de 2017 (BRASIL, 2017), requer planejamento prévio cuidadoso por parte de todo o corpo acadêmico e uso de estratégias de gerenciamento específicas, oferta de estrutura de tecnologia da informação, suporte técnico e o trabalho de uma equipe multiprofissional envolvida (pedagogos, técnicos analistas de sistemas da informação, envolvimento da equipe gestora e professores conteudistas, professores mediadores e design instrucional). É necessária aprovação prévia dos órgãos competentes para que um curso de Ead passe a funcionar.
Relacionado ao ensino remoto, é preciso compreender que o termo “remoto” significa distante no espaço e se refere a um distanciamento geográfico. O ensino é considerado remoto porque os professores e alunos das instituições e cursos presenciais estão impedidos por Portarias, mencionadas acima, de frequentarem instituições educacionais para evitar a disseminação do vírus. É emergencial porque do dia para noite o planejamento pedagógico com atividades presenciais para o ano letivo de 2020 teve que ser revisto a fim de que os estudantes tivessem acesso (BEHAR, 2020). O objetivo do ERE é fornecer acesso temporário à instrução e suporte educacional de uma maneira que seja rápida de configurar e esteja disponível de forma confiável durante uma emergência ou crise (HODGES et al, 2020).
No contexto da pandemia, face às legislações vigentes, as IES estão adotando para os cursos autorizados na modalidade presencial, o desenvolvimento do Ensino Remoto Emergencial (ERE).
Nesse contexto, as instituições de ensino, precisaram pensar em novas formas de ensinar, considerando essa oferta de ensino emergencial. O que se torna aparente é que, em muitas situações de crises as instituições precisam buscar formas criativas para solucionar os problemas, sendo necessário pensar fora dos padrões e entender as possibilidade e fronteiras a serem superadas para que a aprendizagem chegue para cada aluno.
No Brasil, temos ainda uma realidade crítica relacionada ao acesso à internet. Segundo a pesquisa TIC Domicílios, divulgada em 2019, apenas 44% dos domicílios da zona rural brasileira têm acesso à internet. Na área urbana, o índice é bem mais alto: 70% dos lares estão conectados. Contudo, ainda temos as diferenças relacionadas às classes sociais, entre os mais ricos (classes A e B), 96,5% das casas têm sinal de internet; nos patamares mais baixos da pirâmide (classes D e E), 59% não conseguem navegar na rede (TENENTE, 2020).
Além da questão do acesso à internet que pode ser limitado para muitos estudantes, as IES enfrentam um problema que é a fluência digital tanto por parte dos alunos, como também dos professores, sendo necessário um investimento nesse momento para mitigar o impacto na aprendizagem dos alunos.
Nesse contexto, não podemos desconsiderar a necessidade de que as instituições de ensino busquem alternativas que possam atender estas especificidades. Um documento de orientação internacional elaborado pela Organização para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) denominado A Framework to Guide an Education Response to the COVID-19 Pandemic of 2020, traz indicações em relação ao que as instituições de ensino podem realizar em contexto de pandemia:
Considerando todos esses aspectos, de acordo com Hattie (2017) a manutenção da qualidade em qualquer nível de ensino está correlacionada com alguns aspectos relativos aos estudantes como, por exemplo, as condições domésticas em que vivem, e, também, aos professores como, por exemplo, em relação à sua formação e suas condições de trabalho.
Vamos falar das estratégias?
Essa mudança, exigida pela pandemia, pode ser uma grande oportunidade para que as IES repensem as suas práticas, com olhar mais amplo para as necessidades de seus alunos e aspectos formativos de sua equipe de professores, instrumentalizando-os para o uso de diferentes estratégias, com foco no ensino centrado no estudante. É muito importante que o planejamento pedagógico considere aspectos para o desenvolvimento de profissionais que supram as necessidades da sociedade, que saibam resolver problemas, de modo que aprenda a aprender – o que parece ainda mais difícil em tempos de pandemia, que impõe tantas mudanças. Nesse sentido, é fundamental preconizar metodologias que dão ênfase ao papel protagonista do aluno, ao seu envolvimento direto, participativo, reflexivo e ativo.
O uso de metodologias ativas contribui nesse contexto, uma vez que num mundo conectado e digital é possível realizar diversas combinações que facilitem a construção de trilhas de aprendizagem que motive os estudantes a aprender. Não há uma receita básica, mas dentre elas, algumas estratégias podem contribuir para atingir esse objetivo.
Uma possibilidade é o uso da sala de aula invertida, que é a uma estratégia ativa que otimiza o tempo de aula. Nessa abordagem, o aluno estuda previamente os materiais sobre o tema enviado pelo professor por meio de tecnologia que podem ser vídeos, textos e perguntas (momento pré-aula), e a aula se torna um momento de aprendizagem ativa, com perguntas, discussões e atividades práticas (BACICH; MORAN, 2018, p. 29).
A aprendizagem por projeto é outra possibilidade para o desenvolvimento de competências e habilidades específicas para resolução de problemas que tenham ligação com a vida do aluno fora de sala de aula, o que pode contribuir nesse contexto de ensino remoto para o engajamento do aluno para a aula a partir de seu contexto.
Será que é possível organizar um trabalho em grupo remotamente?
A resposta é sim! O uso de uma metodologia de trabalho em grupo contribui ainda mais para o sucesso nessa aplicação remotamente. De acordo com Lotan apud Ferreira (2017),
é necessário que no trabalho em grupo haja a interação entre os alunos sem a interferência do professor, sendo necessário construir atividades que lidem com coisas que valem a pena ser faladas, investigadas mais a fundo e que tenham uma grande ideia ou conceito difícil de pensar e apresentar.
Pude vivenciar uma das metodologias, descritas no livro: Planejando o Trabalho em Grupo – Estratégias para a Sala de Aula (COHEN; LOTAN, 2017) em que para cada membro do grupo tem uma função específica, sendo que em algum momento poderá desempenhar a função de líder no grupo e em outro, por exemplo, ser o responsável pela organização e distribuição de materiais, ou mesmo de controlador do tempo. Associada a essa metodologia, para ajudar na interação remota é possível usar as plataformas de encontros virtuais como Google Meet e Zoom, que oferecem funcionalidades para criação de salas temáticas, o que possibilita a distribuição automática dos alunos em salas diferentes para que possam realizar essa interação. Foi uma experiência valiosa e instigante.
Todas essas estratégias se tornam aliadas do professor no ensino remoto que, mediado por tecnologia, podem facilitar ainda mais a aprendizagem e o desenvolvimento de competências sociais e de aprendizagem.
Como a tecnologia pode ser uma aliada nesse contexto?
Todas as estratégias podem ter a tecnologia forte aliada nesse contexto de ERE. Para isso, é muito importante que as instituições promovam a educação continuada de sua equipe de docentes, a fim de que possam se apropriar e desenvolver ainda mais a sua fluência digital e dos estudantes.
A partir dessa proposta apresentarei, aqui, algumas estratégias que a Elos Educacional desenvolve em seu curso “Estratégias para o Ensino Remoto”, que está sendo oferecido para instituições de educação básica e ensino superior, a partir da necessidade dos professores. Um exemplo disso é a equipe docente da Unicamp que está participando desta formação, ampliando seus conhecimentos sobre o tema. Veja abaixo o depoimento de uma dos professores participantes:
Nesse curso, os professores estão desenvolvendo competências e habilidades que colaboram para o maior engajamento dos alunos, como, por exemplo, o uso de quizz para levantamento de conhecimentos prévios sobre os assuntos abordados ou mesmo para realização de perguntas durante a aula on-line de uma maneira lúdica. Algumas plataformas utilizadas para essa estratégia é Edulpuses e o Mentimenter, que em suas versões gratuitas oferecem a possibilidade de uso de enquetes ao vivo, nuvem de palavras, questionários de forma síncrona e assíncrona.
Uma das plataformas virtuais para uso em aulas remotas, como o Google Meet, também é estudada nesse curso, pois é uma plataforma gratuita e com muitas funcionalidades que permite a comunicação com os estudantes, a realização de aulas síncronas com o compartilhamento de telas, vídeos e imagens, lousa por meio do Jamboard, como, também, o trabalho em grupo on-line, com divisão de salas temáticas (para algumas versões). É preciso lembrar que o planejamento de uma aula on-line requer do professor o desenvolvimento de algumas ações que precedem a aula, durante a aula e depois da aula. O estudo aprofundado desses momentos e também das ferramentas adequadas podem contribuir ainda mais para o sucesso da aula.
Plataformas de colaboração são sempre muito importantes para facilitar a interação entre professor-aluno e aluno-aluno. Dentre algumas plataformas estudadas nesse curso temos o Padlet que permite o repositório de muitos conteúdos em diferentes mídias: vídeo, imagens, artigos e textos.
Outra plataforma que requer estudo que abordamos nesse curso é a Google Sala de Aula. Nessa plataforma, o professor poderá postar as atividades para os alunos, propor testes por meio do Google Formulários e atribuir notas. As atividades podem ser separadas por turma o que facilita e incentiva a conversação entre alunos e professores e o envio de feedback, tão importante para o engajamento dos alunos e para que ele possa gerenciar a sua aprendizagem.
A aprendizagem por meio de vídeos é um desafio constante. Abordamos nesse curso o uso da plataforma gratuita Powtoon. Essa plataforma possibilita a criação de vídeos animados, como também a edição de videoaulas elaboradas pelo professor.
Não temos estudos científicos que demonstrem a eficácia de uma ou outra ferramenta digital. Por esse motivo é muito importante o compartilhamento de ideias e experiências. Uma das maneiras para compartilhar ideias e que ajuda muito na formação de professores são as Comunidades de Práticas Virtuais (CoPV). É possível conhecer mais sobre essa prática no texto: Comunidade de Prática Virtual: atualização focada e eficaz.
Quero compartilhar com vocês, outras possibilidades de estudo e que estão disponibilizadas pela Elos Educacional sobre as experiências de 2020 quanto à tecnologia e ao ensino remoto. Recentemente, tivemos duas lives que contribuíram para compartilhar essas experiências exitosas. Clique nos links abaixo para saber mais.
“Como a tecnologia pode apoiar o ensino e a aprendizagem”
“De professor para professor: O que aprendemos com as experiências de 2020”
Todas as partes envolvidas – alunos, professores e funcionários – estão sendo solicitadas a fazer coisas extraordinárias em relação à entrega e ao aprendizado do curso que não foram vistas nesta escala durante a vida de ninguém atualmente envolvido. Embora esta situação seja estressante, quando ela acabar, as instituições surgirão com a oportunidade de avaliar o quão bem foram capazes de implementar a ERE para manter a continuidade do ensino.
Contem conosco!!
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BIBLIOGRAFIA:
BACIH, L; MORAN J. Metodologias Ativas para uma educação inovadora. Porto Alegre: Penso, 2018, p. 26-42.
BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n. 188, de 03 de fevereiro de 2020. Declara Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo Novo Coronavírus (2019-nCoV). Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-241408388. Acesso em: 01 dez. 2020a.
BRASIL. Ministério da Educação. Gabinete do Ministro. Portaria n. 329, de 11 de março de 2020. Institui o Comitê Operativo de Emergência do Ministério da Educação – COE/MEC, no âmbito do Ministério da Educação. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-329-de-11-de-marco-de-2020-247539570. Acesso em: 01 dez. 2020b.
BRASIL. Ministério da Educação. Gabinete do Ministro. Portaria n. 343, de 17 de março de 2020. Dispõe sobre a substituição de aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus – COVID-19. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376. Acesso em: 01 dez. 2020c.
BRASIL. Ministério da Educação. Gabinete do Ministra. Decreto n. 9.057, de 25 de Maio de 2017. Regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/20238603/do1-2017-05-26-decreto-n-9-057-de-25-de-maio-de-2017-20238503. Acesso em 02 dez. 2020.
COHEN, E G; LOTAN, R. Planejando o trabalho em grupo. São Paulo: Penso. 2005.
GUSSO, et al. Ensino Superior em Tempos de Pandemia: Diretrizes à Gestão Universitária. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302020000100802&tlng=pt. Acesso em 03 dez. 2020.
FERREIRA, A R O Desafio de organizar e mediar o trabalho em grupo. Rev. Nova Escola. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/4911/entrevista-o-desafio-de-organizar-e-mediar-o-trabalho-em-grupo-rachel-lotan. Acesso em 03 dez. 2020.
OCDE [ORGANIZATION DE COOPERATION ET DE DÉVELOPPEMENT ÉCONOMIQUES]. A framework to guide an education response to the COVID – 19 pandemic of 2020. Disponível em:https://www.hm.ee/sites/default/files/framework_guide_v1_002_harward.pdf. Acesso em: 03 dez. 2020.
UNESCO [UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANISATION] COVID-19 Educational disruption and response. Disponível em: http://www.iiep.unesco.org/en/covid-19-educational-disruption-and-response-13363. Acesso em: 02 dez 2020.
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