A política de formação continuada de professores como fim da solidão pedagógica

por Sônia Guaraldo

23/10/2020

Há um consenso sobre a importância de professores bem formados por meio da formação inicial e ao longo da carreira e com condições adequadas de trabalho para a educação escolar, considerando que profissionais qualificados podem representar mudanças significativas para o aumento da qualidade educacional no país. Trata-se de um problema social, que, apesar das discussões e programas desenvolvidos na tentativa de melhorar a qualidade das práticas educativas, ainda ocupa pouco espaço nas discussões acerca de seu valor social. No entanto,  em nenhum período da história da educação brasileira foram realizados investimentos que oferecessem formação e condições de trabalho condizentes com o desempenho da profissão. O conjunto das políticas desenvolvidas ao longo da história pouco interfere na alteração dos cenários que caracterizam a formação inicial e continuada.

 

A questão é que a formação inicial está longe de preparar professores para enfrentar as complexidades da prática, seja em decorrência do desprestígio que sofre a carreira docente, seja pelas bases curriculares extremamente amplas, generalistas e desalinhadas entre si, oferecidas especialmente nos cursos de pedagogia. Como consequência, a formação contínua adquire um caráter compensatório, uma forma de preencher as lacunas deixadas pelo histórico de formação do professor e torna-se central para recuperar minimamente a qualidade educacional. De maneira geral, as iniciativas observadas nas políticas de formação relegam a formação dos docentes às próprias escolas (DAVIS, 2012) ou oferecem propostas estruturadas sem a participação dos profissionais das redes de educação, cujas decisões sobre “o que” e “como” estão concentradas apenas nas lideranças educacionais. Some-se a isso o conjunto de textos que orientam em nível macro o desenvolvimento das políticas educacionais, que pouco apoia os sistemas públicos nas estratégias de elaboração de desenhos formativos que considerem o contexto local e a participação coletiva.

 

A complexidade implícita nas iniciativas de qualidade pressupõe princípios éticos, técnicos e teóricos (FOUCAULT, 1988), envolvendo duração prolongada, trabalho coletivo, coerência, protagonismo de todos os atores e objetos de formação condizentes com a demanda. Isso significa que a conformação de políticas educacionais não poderá ser reduzida a pacotes ou receitas formatadas. Nesse sentido, ainda que se disponha dos melhores conteúdos e materiais formativos, formadores de excelência e parceria com as melhores instituições educativas, se a forma como se controla e distribui poder sobre as decisões do processo formativo não for alterada, a formação ofertada não produzirá o “saber-fazer” e o engajamento necessário para transformar a visão e a concepção em ação.

 

Profissionalizar o ensino passa necessariamente por sofisticar processos, compreendendo que considerar e incluir todos os profissionais na construção e execução da política de formação de um determinado contexto não significa privilegiar um ou outro grupo em detrimento dos interesses dos alunos (Isso é um risco!). Estamos falando de envolvimento responsável, pautado por decisões que considerem os currículos vigentes, os processos avaliativos a partir de uma visão comum sobre os objetivos de aprendizagem a serem conquistados.  A metodologia ativa de formação, tão em voga no momento, pressupõe não só a participação ativa durante os momentos formativos, mas um protagonismo garantido e apoiado na construção da compreensão, nos espaços de prática e nas análises sobre o resultado das mudanças.

 

 

Evidencia-se, desse modo, que não há caminho curto, fácil ou rápido quando se deseja verdadeiramente transformar o ensino.   No entanto, é preciso coragem, competência técnica e teórica e vontade política para mudar, a partir da crença de que a oferta de estímulos e apoios necessários possibilitarão o desenvolvimento profissional fundamental para a conquista do direito à educação no país. Do contrário, corremos o risco de continuar andando em círculos, agarrando-nos a soluções mágicas e a velhas receitas travestidas de inovação.

 

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REFERÊNCIAS

BERNSTEIN, Basil. A estruturação do discurso pedagógico. Classes, códigos e controle. Petrópolis: Vozes, 1996.

FOUCAULT, Michel. Direito de morte e poder sobre a vida. In: _____. História da sexualidade I. A vontade de saber. Edições Graal: Rio de Janeiro, 1988.

DAVIS, C. L. F. et al. Formação continuada de professores: uma análise das modalidades e das práticas em estados e municípios brasileiros., São Paulo, Fundação Carlos Chagas, 2012.

 

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