Interseccionalidade e a educação

por Júlia Izidoro

27/06/2022

Interseccionalidade é um termo que foi cunhado pela professora norte-americana Kimberlé Crenshaw, especialista e pesquisadora em teoria crítico-racial, e diz respeito à análise das opressões que se sobrepõem a partir dos marcadores sociais de classe, gênero, raça, sexualidade e outros. Ela afirma que “tanto os aspectos de gênero da discriminação racial quanto os aspectos raciais da discriminação de gênero não são totalmente apreendidos pelos discursos dos direitos humanos” (CRENSHAW, 2002).

 

Ao pensar na sala de aula da educação pública brasileira e nos grandes desafios vivenciados pelos/as profissionais para garantir o desenvolvimento dos/as estudantes, esbarramo-nos na interseccionalidade. É a escola o lugar onde se apresenta, de forma mais aberta, a opressão e os estigmas sociais enfrentados pelas classes menos favorecidas. Na escola, os problemas com a defasagem de aprendizagem, a evasão, a violência, a sexualidade e a sexualização exacerbada dos/as meninos e meninas, são inerentes aos escassos recursos oferecidos a eles/as. Então, nesse momento, é importante pensar na interseccionalidade como uma análise primordial para entender tais eventos recorrentes na base das nossas escolas.

 

Em outras palavras, na análise das sobreposições, quanto mais pobre mais negro, e quanto mais negro mais pobre… assim por diante. Envolvendo quem morre e quem mata; quem passa fome e sofre das consequências da violência urbana – como identidades subjugadas nas estruturas do poder. Marcador social é a identificação destas pessoas a partir de alguma característica física, geográfica ou ideológica: onde elas vivem, qual é a sua classe social, qual é o seu gênero, a sua cor, a sua orientação sexual, e assim por diante.

 

A escola está permeada desses atores que precisam se autoavaliar enquanto sujeitos sociais e reconhecer os caminhos possíveis na transformação da realidade. A interseccionalidade na educação é a análise dessas estruturas como um potente viés teórico para identificar as lutas que atravessam as histórias de vida dos/as nossos alunos/as e criar, assim, mecanismos pedagógicos com a finalidade de obterem-se avanços sociais e intelectuais desses jovens.

 

No Ensino Médio, novas formas de elaborar estratégias de aprendizagem estão surgindo e tornando-se obrigatórias, como, por exemplo, o projeto de vida (BNCC, 2018). Principalmente neste quesito, é indispensável fazer a pergunta: como imaginar um projeto de vida para os alunos do ensino médio da escola pública brasileira sem identificar as intersecções dos seus marcadores sociais? Como pensar formas de projetar a vida destas pessoas sem elaborar estratégias para que elas sejam “desmarcadas” socialmente? De que forma criar currículos e projetos com a finalidade de entender essas estruturas de poder?

 

O estudo e o ensino da interseccionalidade, através dos projetos dentro das sequências didáticas, e da priorização do currículo, são urgentes. No que se refere ao contexto histórico da pandemia do Coronavírus, profissionais da educação e órgãos públicos pensam em estratégias de recomposição das aprendizagens para diminuir as consequências da não oferta de aulas neste período. Nesses dois anos, as informações virtuais foram mais consumidas e, muitas vezes, substituíram a apreensão cognitiva em aprendizagens por vídeos e mensagens rápidas.

 

Como recompor o que não foi visto e, ao mesmo tempo, enfrentar o caos intensificado nos problemas de uma sala de aula onde os marcadores sociais de gênero, raça e classe se sobrepõem? Muitas experiências com educadores mostram que não há como ensinar conteúdos para alunos que estão vivenciando tais realidades. Por onde partir, então?

 

Por essa via crítica, pensa-se em dar condições aos estudantes de terem acesso a um aprendizado onde a interseccionalidade é a base analítica do projeto, entrando na estrutura e no corpus da escola. Temos hoje um movimento social mais engajado do feminismo negro; mulheres negras no centro da oferta de conteúdos literários, filosóficos e sociológicos, que podem e devem infiltrar-se na escola para convidar nossos alunos a pensarem a sua realidade na perspectiva do seu igual. Com esse convite para o pensamento crítico dos/as alunos/as, o engajamento posterior para a aprendizagem de conteúdos torna-se mais leve e possível.

 

Mas sabemos muito bem que esta virada não é fácil. É preciso, primeiramente, formar a escola para que a comunidade entenda a perspectiva teórica da interseccionalidade e as formas de incluí-la nas suas realidades. No e-book da Elos Educacional sobre o tema, que será em breve publicado, vamos destrinchar um percurso de aprendizagem e algumas ideias de formação, além do aprofundamento do conceito.

 

O que é necessário entender em linhas gerais é que as palavras coalizão, dissenso, enfrentamento, solidariedade, diálogo, interação e ação são centrais nos nossos estudos pedagógicos, a fim de entender as estruturas que nos colocam em embate constante com as desigualdades, promovendo caminhos a percorrer. Uma escola que abraça os sonhos dos/as jovens e canaliza a ação no desenvolvimento real das suas potencialidades, começando pelo pensamento crítico, é um lugar onde poderemos começar a pensar em alguns avanços para o protagonismo intelectual dos/as nossos meninos e meninas. Vale a pena, portanto, entender o conceito e se dedicar a pensar nas maneiras de incluí-lo nos recursos pedagógicos das escolas.

 

 

Bibliografia:

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. Feminismos plurais. Coordenação Djamila Ribeiro. 1ª edição. São Paulo: editora Jandaraí, 2020.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

COLLINS, Patrícia Hill & BILGE, Sirma. Interseccionalidade. 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 2021.

CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. The University of Chicago Legal Forum. n. 140 p.139-167, 1989.

 

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