por Janaina Sousa
03/04/2023
Muitas vezes os adultos subestimam o poder de compreensão e de sentimentos das crianças pequenas e acabam não discutindo algumas questões por acreditar que passam despercebidas pelos/as pequenos/as; o racismo é uma dessas questões.
Eu tenho um sobrinho e primos/as negros/as e eu (embora haja algum tempo) já fui uma criança negra, então acredite: o racismo é percebido desde muito cedo nas palavras ditas (ou não ditas), nas atitudes (ou na falta de atitude), enfim, mesmo que não possa ser nomeado, é sentido e deixa marcas.
Hoje, depois de 40 anos (olha eu revelando minha idade), me lembro com clareza de uma situação vivida aos 5 anos, no qual as crianças resolveram encenar “A Branca de Neve” e não tinha nenhum papel para mim, então a professora solucionou a questão me colocando para ligar e desligar o aparelho de som. Você consegue imaginar a frustração que isso pode causar em uma criança?
Participo de um grupo em uma rede social para discussão sobre cabelos crespos. Semana passada vi o relato de uma mãe que estava muito entristecida porque a professora disse que era obrigatório todas as meninas irem de coque no dia seguinte para tirar uma foto vestida de bailarina, mas a filha dela tinha o cabelo curto e crespo, que não permitia fazer um coque. Essa mãe, meio sem rumo, perguntava aos/às integrantes do grupo: “Estou pensando em dizer que minha filha ficou doente e não a levar para a escola, pois não quero que sofra por ser a única menina diferente do que a professora pediu. Acham que é a melhor solução?”. Acho que nem preciso dizer a quantidade de “conselhos” que ela recebeu, mas no fim resolveu que iria à escola conversar com a professora.
Algumas pessoas classificariam esses relatos de vitimismo, mas situações como essa precisam ser colocadas em discussão nas escolas para que não voltem a acontecer.
Segundo os parâmetros para a promoção da qualidade e equidade da educação infantil cearense:
O espaço da Educação Infantil é um espaço de encontros. Encontros de crianças com outras crianças e com adultos profissionalmente preparados para as interações que ali acontecerão. São esses encontros que possibilitarão a riqueza do currículo e complementarão as experiências de aprendizagens que acontecem no âmbito das famílias.
É preciso intencionalidade para que esses encontros sejam, de fato, prazerosos para todos/as, longe das experiências relatadas no início desse texto, pois é muito provável que os/as professores/as em questão não tenham adotado aquelas atitudes por maldade, mas sim por falta de orientações para que pudessem planejar suas aulas pensando na real inclusão de todas as crianças de seu grupo e a criação desses espaços de encontro.
Mas como prevenir que situações de racismo e/ou discriminação aconteçam, como intervir quando acontecem e como discutir essa questão com alunos/as da educação infantil?
Trago dez dicas e tenho certeza de que muitas outras podem surgir a partir delas:
1 |
Cada pessoa traz consigo crenças, costumes e convicções pessoais, mas dentro de uma escola é importante alinhar essas visões, então é importante analisar como o projeto político-pedagógico de cada escola traz a questão da equidade. |
2 |
Não espere que os problemas aconteçam para resolvê-los. Incentive que sua escola tenha protocolos pensados coletivamente para diversas situações. O que fazer em situações de racismo entre os/as alunos/as? E dos/as docentes com os/as alunos/as? E se a situação for com as famílias, no momento da entrada? Que outras situações podem acontecer? |
3 |
As crianças, mesmo as menores, também já trazem consigo a bagagem que recebem em seu lar, então é importante um trabalho de conscientização das famílias quanto à valorização da diversidade. |
4 |
Para que as crianças se sintam representadas, é importante que os ambientes sejam decorados com referências culturais e étnico-raciais que representem a diversidade da comunidade que constitui cada território. |
5 |
Não subestime a compreensão das crianças. Converse com elas sobre a cor da pele, incentive que falem sobre seus sentimentos, que desenhem como se vêem e faça intervenções que mostre tanto a beleza da diversidade como o que é racismo para que saibam identificar esse tipo de situação. |
6 |
Não espere 20 de novembro para trabalhar o tema. Apresente constantemente às crianças músicas, vídeos, jogos e brincadeiras de origem africana demonstrando e valorizando essa cultura, que vai muito além dos episódios de escravidão retratados na escola. |
7 |
Certifique-se que sua escola possui um bom acervo de livros de autores/as ou com personagens negros/as, inclusive com contos de fadas, histórias de reis, rainhas, príncipes e princesas negros/as e que essa representatividade esteja também nos brinquedos da unidade escolar. |
8 |
Esteja atento/a e incentive que sua escola crie canais de comunicação que permitam que tanto as crianças quanto suas famílias relatem com segurança quaisquer formas de preconceito e/ou racismo que sofram ou presenciem. |
9 |
Se não souber como abordar o tema com as crianças, entre pares ou com as famílias, busque apoio. Felizmente, hoje existem muitos cursos, materiais e indicações de como trabalhar a diversidade e questões étnico-raciais com qualquer faixa etária. |
10 |
Não se cale diante das situações de racismo que presenciar e seja você, também, o/a promotor/a das mudanças que deseja ver na educação. |
Essas são algumas dicas para você que é educador/a, que forma educadores/as ou simplesmente tem esperança, no sentido de esperançar, por uma sociedade mais justa e que respeite todos/as.
Para desenvolver essas e outras dicas nos seus locais de atuação, consulte os materiais disponíveis em nosso site: https://eloseducacional.com/repe/nucleo-de-estudos-e-pesquisa-equidade-racial/
Referências
AMORIM, Aline Matos de. Parâmetros para a promoção da qualidade e equidade da educação infantil cearense. Fortaleza: SEDUC, 2021. Disponível em https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/parametros-qualidade-equidade-educacao-cearense. Acesso em 23 set 2022.
Organizar as ideias em tópicos é uma estratégia bastante didática que ajuda as escolas na condução de uma boa reflexão com seu grupo. Quando você diz “Não espere acontecer um problema para trabalhar o tema, você traz o “pulo do gato” da educação inovadora: se antecipar, criando condições melhores para o enfrentamento dos problemas. Educar para o futuro exige postura diferentes de práticas que reproduzem um passado superado.