por Felipe de Souza Costa
24/01/2018
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento oficial que, em nível federal, apresenta proposições para o ensino e aprendizagem na educação básica. Esse documento traz habilidades e competências para as etapas da educação infantil e do ensino fundamental. Considerando a proposta deste texto, trataremos – especificamente – de dois eixos fundantes para a aprendizagem no componente curricular de Língua Portuguesa e, mais precisamente, nos anos finais do ensino fundamental. Nosso objetivo, no entanto, não é minimizar o caráter de disputa (ideológica, pessoal, coletiva etc.) que documentos dessa natureza possuem, mas apresentar algumas discussões que nos ajudem a refletir acerca do papel da BNCC, principalmente no que diz respeito às atividades de leitura e escrita e suas implicações para o ensino e aprendizagem de língua materna.
A concepção que sustenta a proposição de competências e habilidades para a disciplina de Língua Portuguesa, na questão da língua(gem), privilegia a abordagem enunciativo-discursiva, a qual prevê as interações entre língua(gem) e sujeito como constituintes para consolidação de trocas (sociais) que se dão por meio da ação humana: “assume-se aqui a perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem, já assumida em outros documentos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)” (BRASIL, 2017, p. 65).
Ao assumir uma perspectiva enunciativo-discursiva, entendemos que pensar, comunicar-se, partilhar e construir visões de mundo são atividades sociais que estão intrinsicamente ligadas à língua(gem) e, por sua vez, ao texto e ao discurso. Assim sendo, essas ações não estão dissociadas de um: contexto, enunciado (gênero), texto ou discurso. Isso significa dizer que, para a BNCC, ensinar e aprender Língua Portuguesa só é possível quando se entende o caráter irmanado de uma língua, ou seja, a linguagem.
O documento está organizado por áreas do conhecimento que engloba os componentes curriculares afins. Assim, Língua Portuguesa, na condição de disciplina/componente, está ligada a uma dimensão mais abrangente, isto é, à área de Linguagens, que – além da disciplina em discussão – incorpora Arte, Educação Física e Língua Inglesa.
Finalmente, retomando pressupostos contidos nos PCNs, a BNCC propõe cinco eixos que representam estas práticas de linguagem: oralidade, leitura/escuta, produção (escrita e multissemiótica) e análise linguística/semiótica para todos os anos do ensino fundamental. Dessa maneira, neste texto, optamos por destacar as práticas de leitura e de produção de texto (escrita e multissemiótica) por meio de algumas possibilidades de trabalho didático-pedagógico em Língua Portuguesa.
A manutenção de uma área de “Linguagens” traz consigo um forte indício de que, na vida, aprendemos por meio de práticas (sociais e de linguagem). O que nos leva a pensar nestas questões:
No documento curricular, e neste texto, o termo prática nada a tem a ver com um pragmatismo dissociado de uma reflexão crítica, o que pressupõe a inclusão de conhecimentos teóricos. Estamos falando de uma prática que se dá pelos usos que fazemos da língua e da linguagem em nossa sociedade. Sendo assim, não é de se admirar que – considerando o ano de sua publicação (2017) – a BNCC de Língua Portuguesa tenha proposto, por exemplo, habilidades de leitura e de produção de texto que envolvam um texto (multimodal) que é reconhecidamente utilizado na contemporaneidade, ou seja, o famoso meme.
Que práticas (sociais e de linguagem) estariam envolvidas na transposição didática de um meme?
Veja o que o documento da BNCC afirma sobre compreensão leitora e a relação dessa prática de linguagem com o meme:
Compreender uma palestra é importante, assim como ser capaz de atribuir diferentes sentidos a um gif ou meme. Da mesma forma que fazer uma comunicação oral adequada e saber produzir gifs e memes significativos também podem sê-lo (BRASIL, 2017, p. 67).
Pensando a nossa realidade em sala de aula e com vistas a depreender o que é um ensino de Língua Portuguesa fundamentado em práticas sociais, vamos discutir, a seguir, aspectos importantes sobre leitura, escrita e algumas habilidades previstas na BNCC.
Observe a foto abaixo:
As perguntas que iniciam com “o quê”, “quando”, “onde”, “quem” e “por que” ajudam-nos a depreender o contexto de produção em que os textos estão imersos. Ora, reconstruir, refletir e identificar as condições de produção de um texto são habilidades importantíssimas para uma concepção de aprendizagem de língua que se filia à perspectiva enunciativo-discursivo, como é o caso da BNCC de Língua Portuguesa.
Ao responder às perguntas anteriores, com efeito, conseguiremos recuperar o contexto em que essa foto foi produzida. Contudo – considerando a velocidade das informações – essa não é uma atividade fácil e, por isso, precisa virar rotina nas práticas de leitura e de produção de textos nas escolas. Se, no mundo real, tentássemos recuperar os contextos de produção de textos que circulam em nossa sociedade, e que causam problemas de compreensão, certamente, minimizaríamos diversos conflitos. Sabe aqueles desentendimentos causados pela publicação de um simples post nas redes sociais ou, até mesmo, um e-mail incompreendido? Esses conflitos, embora corriqueiros, já são realidades do mundo contemporâneo.
Nesse sentido, veja o que preconiza a BNCC ao abordar o tratamento de práticas leitoras:
Na coluna da direita, observamos alguns objetivos em que – com uma simples atividade, como a que fizemos com a fotografia – é possível criar condições para a aprendizagem de algumas habilidades expostas no tratamento da prática leitora que diz respeito à “reconstrução e reflexão sobre as condições de produção e recepção dos textos pertencentes a diferentes gêneros e que circulam nas diferentes mídias e esferas/campos de atividade humana”.
Mas a atividade não para por aí. Ela pode (e deve) se desdobrar para a consecução de objetivos de aprendizagem maiores, o que implica pensar que – na BNCC – também está prevista uma progressão das aprendizagens que se dá – inclusive – com a ampliação das discussões e que pode ser feita a partir dos próprios conteúdos tematizados. Dessa forma, se você respondeu às questões que se encontram abaixo da fotografia, descobriu – pela memória ou por meio de pesquisas – que essa foto foi capturada no momento em que uma mulher faz uma selfie (autorretrato) no lugar/evento bastante incomum para a nossa cultura, isto é, um velório. Neste caso, trata-se do velório de Eduardo Campos, que faleceu, em 2014, por causa de um acidente de avião, no ano em que concorria ao posto de presidente do Brasil.
Observe os desdobramentos, por meio de memes, dessa fotografia na rede social Facebook:
Reprodução/Facebook
Como podemos observar, trata-se de uma produção textual convencional para os dias atuais, mas impensada para tempos passados. Ao considerarmos os memes como produtos textuais, estamos reafirmando o que a BNCC de Língua Portuguesa propõe: “Leitura no contexto da BNCC é tomada em um sentido mais amplo, dizendo respeito não somente ao texto escrito, mas também a imagens estáticas (foto, pintura, desenho, esquema, gráfico, diagrama) ou em movimento (filmes, vídeos etc.) e ao som (música), que acompanha e cossignifica em muitos gêneros digitais” (BRASIL, 2017, p. 70).
Dessa forma, ler e produzir textos, no âmbito de uma perspectiva enunciativo-discursiva e da BNCC, são atividades que transcendem as modalidades cristalizadas da língua (oral e escrita). O que nos permite dizer que a multimodalidade é um princípio que orienta as práticas de linguagem e, consequentemente, de leitura e produção de textos na BNCC, uma vez que imagens (estáticas e em movimentos), o som e outros recursos da linguagem são considerados essenciais para a compreensão de textos/gêneros que circulam na sociedade.
As habilidades, apresentadas anteriormente, expõem e reafirmam a necessidade de um trabalho com textos/gêneros que, de fato, circulem socialmente e que – de alguma forma – sejam relevantes para uma aprendizagem situada no tempo e no espaço, isto é, que seja significativa para os estudantes e que faça sentido.
Portanto, além das práticas de linguagem, a BNCC ratifica sua opção por promover um ensino que esteja centrado nos Multiletramentos, o que envolve a presença unívoca das Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDIC), ressaltando a carência de um trabalho com as dimensões éticas, estéticas e políticas que envolvem a produção de conhecimento nos dias atuais.
Ótimo trabalho, parabéns. Um conteúdo muito esclarecedor.
Muito Obrigada!
Ótimo texto! Bela explicação de utilização de memes em sala de aula, tive vários insights aqui.
Obrigada pela visita e leitura. Abraços!