É preciso falar da saúde mental dos/as professores/as

por Elaine Stella

22/08/2022

Em 2018, uma pesquisa realizada pela Associação Nova Escola com 4,8 mil educadores/as constatou que 66% dos/as docentes já se afastaram do trabalho por motivos relacionados a saúde e 87% deles/as acreditam que o trabalho lhes causa problemas físicos e emocionais. Essa situação se agravou com a pandemia de Covid-19.

O psicanalista Christian Dunker comenta que foi preciso uma “reinvenção do modo de transmitir o saber”, não uma mera adaptação. Ele salienta que a escola é um ambiente que sempre lidou com o futuro, com a preparação dos/as estudantes para uma realidade que virá, e, não saber como seria esse futuro, gerou medo e insegurança. “Tudo o que está presente no nosso cotidiano escolar é ainda mais afetado quando o futuro se torna incerto”, diz ele.

As mudanças bruscas trazidas pelo ensino remoto e a retomada das aulas presenciais ainda em um contexto pandêmico, exigiram que os/as docentes desenvolvessem ou ampliassem, rapidamente, competências técnicas e comportamentais que não eram exigidas antes.  É preciso destacar que nem sempre as mudanças ocorrem na mesma velocidade que os cenários mudam, e, agora, constatamos a lacuna entre o que deveria ter sido aprendido pelos/as alunos/as e o que de fato foi assimilado. A recomposição das aprendizagens tem foco central neste momento, pois diversos conteúdos precisarão ser retomados, metodologias revistas, novas demandas e exigências já estão sendo impostas.

E o/a docente nisso tudo? Se o/a professor/a não tiver tolerância, flexibilidade e resiliência para enfrentar a nova realidade educacional, pode ter desestabilidades significativas em seu campo emocional. Esse período deixou claro que a internet é um meio importante para potencializar o processo de ensino e aprendizagem, mas não substitui o trabalho docente. A escola continua precisando de bons/as profissionais, capazes de promover situações significativas de aprendizagem, mediar problemas e conflitos, produzir bons materiais, entre tantas outras atividades e por isso, cuidar da saúde mental desses/as profissionais é indispensável.

Existem caminhos para tornar essa situação menos desgastante? Sim, o apoio no ambiente profissional é um dos principais fatores para evitar o adoecimento mental. A escola precisa oferecer suporte emocional para que o/a docente consiga desenvolver seu trabalho de maneira satisfatória e cuidar de sua saúde de forma integral. Proporcionar um espaço que o/a faça se sentir parte de uma equipe e que tem onde se apoiar, gera sensação de segurança e pertencimento.

Além de apoiar os/as profissionais em sua atuação, é preciso auxiliá-los/as desenvolvimento de suas competências socioemocionais, o que possibilita que suas crenças individuais relacionadas às próprias habilidades de planejamento, organização e realização de atividades também seja promovidas. Isso tende a estar associado ao alcance de metas educacionais, maior realização profissional, maior nível de entusiasmo com o ensino, maior nível de comprometimento com a profissão, menor probabilidade de abandono de emprego e menor ocorrência de estresse no trabalho.

Estudos recentes do Instituto Ayrton Senna mapearam as competências socioemocionais de professores/as conforme abaixo:

 

 

O Instituto Ayrton Senna destaca que o principal objetivo de conhecer essas competências é “abrir um espaço estruturado de reflexão e autoconhecimento e embasar processos formativos que considerem o/a educador/a em todas as suas dimensões, permitindo a cada um/a mobilizar todo seu potencial em prol de uma educação cada vez mais conectada com o século 21. Saber quais são as competências que os/as próprios/as docentes consideram que podem desenvolver mais e quais aquelas que já estão fortalecidas é também uma forma de atualizar a visão sobre a profissão docente, como algo em constante desenvolvimento em todas as dimensões”.

Quando colocamos uma lupa na macrocompetência autorregulação das emoções, podemos perceber a conexão com o contexto atual, já que ela envolve conseguir lidar bem com suas próprias emoções, mesmo em situações adversas, regulando sua ansiedade e suas respostas ao estresse, além de demonstrar autoconfiança, entusiasmo e energia em suas atividades diárias.

É importante traçar um paralelo entre esses dois pontos que muitas vezes podem se confundir na hora de estabelecer ações que visem trabalhar essa temática no contexto escolar.

As competências socioemocionais são habilidades que podem ser aprendidas, desenvolvidas a partir de práticas, atividades, exercícios e vivências.

Já a saúde mental está relacionada ao estado de bem-estar e equilíbrio emocional. Questões que envolvam problemas de saúde mental demandam profissionais capacitados/as para lidarem com elas, como psicólogos/as, psiquiatras, entre outros/as.

Em outras palavras, as competências socioemocionais são habilidades que, ao serem desenvolvidas, podem garantir a melhoria e manutenção da saúde mental, mas não vão prover todas as necessidades de um cuidado nessa área da saúde quando qualquer problema for percebido.

Conhecer esses fatores é importante para que docentes tenham ferramentas, inclusive, para identificar condições do ambiente de trabalho que os/as levam a chegar a determinadas emoções e para que gestores/as criem esses ambientes favoráveis e permitam que, mesmo diante de situações, contextos e possibilidades adversas, os/as professores/as consigam pensar em estratégias para se manter bem e desenvolver suas atividades da melhor forma.

Na sequência, temos algumas estratégias práticas para preservação e manutenção da saúde mental escritas por  Wendy Segantim que é especialista em Neuropsicologia e Terapia Cognitivo Comportamental e pós-graduada em Psicologia Fenomenológico-Existencialista e Psicologia do Esporte:

01-       Preste atenção em quais são as suas demandas, cada indivíduo é único/a e tem necessidades específicas, avalie o que faz sentido para você.

02-       Desenvolva estratégias para lidar com o estresse e a ansiedade e, se você não estiver conseguindo administrá-los sozinho/a, procure ajuda de um especialista.

03-       Tenha uma rotina e inclua nela atividades que sejam prazerosas. Por vezes, ficamos tão reféns do trabalho – sobretudo os/as professores/as com jornadas duplas ou triplas –, que não conseguimos encontrar espaço para o autocuidado, ele é essencial para preservar nossa saúde mental.

04-       Seja generoso/a consigo mesmo/a reconhecendo e aceitando as suas limitações, tem dias em que não estamos bem e não há nada de errado com isso.

05-       Estabeleça metas diárias e realistas, foque em suas habilidades e potencialidades, canalize sua energia para aquilo em que você pode fazer algo a respeito.

06-       Reforce os vínculos sociais com as pessoas que lhe são significativas e compartilhe experiências, distanciamento físico não precisa ser distanciamento emocional. Nesse momento, os nossos laços afetivos são de fundamental importância, especialmente para quem se encontra em sofrimento emocional. A maior fonte de bem-estar e felicidade é a qualidade das nossas relações.

Para finalizar, convido você a pensar na frase de Foucault: “Ocupar-se consigo não é pois, uma simples preparação momentânea para a vida; é uma forma de vida”.

 

Bibliografia:

A HISTÓRIA, os pilares e os objetivos da educação socioemocional. Revista Educação. Disponível em: http://www.revistaeducacao.com.br/historia-os-pilares-e-os-objetivos-da-educacao-socioemocional/>. Acesso em: 08 ago. 2022.

Instituto Ayrton Senna. Socioemocional para educadores. Disponível em: https://institutoayrtonsenna.org.br/pt-br/para-educadores/socioemocional-para-educadores.html. Acesso em: 08 ago. 2022.

MACHADO, Paula et al. Relações entre o conhecimento das emoções, as competências acadêmicas, as competências sociais e a aceitação entre pares. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-82312008000300008>. Acesso em: 08 ago. 2022.

Nova Escola. Como as competências socioemocionais promovem saúde mental? https://novaescola.org.br/conteudo/12664/como-as-competencias-socioemocionais-promovem-saude-mental. Acesso em: 08 ago. 2022.

 

 

 

 

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Comentários sobre o texto

  1. Sandra Maria disse:

    Muito bom! Vou repassar aos meus professores!

    1. Elos disse:

      Obrigada, Sandra!

  2. Maria Francisca Rodrigues Campos disse:

    Período desafiador para os docentes e discente, foi preciso ser resiliêntes para superar as dificuldades e problemáticas a cada dia, até hoje as escolas estão precisando de apoio e de bons profissionais para ajudar na superação da aprendizagem.

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