por Janaina Sousa
15/10/2021
Há muita discussão sobre os conteúdos que devem ser priorizados nas matrizes curriculares, especialmente em tempos de pandemia. Segundo Sacristan:
O currículo aparece, assim, como o conjunto de objetivos de aprendizagem selecionados que devem dar lugar à criação de experiências apropriadas que tenham efeitos cumulativos avaliáveis, de modo que se possa manter o sistema numa revisão constante, para que nele se operem as oportunas reacomodações. (SACRISTÁN, 1998, p.46)
Se perguntarmos a um/a docente “qual o seu papel?”, provavelmente ele responderá “ensinar”. Mas será que os ensinamentos do/a professor/a abarcam somente o que está no currículo formal?
A resposta é não, pois o que um/a educador/a é capaz de ensinar vai muito além. Silva (2000), explica o que seria um currículo oculto:
O currículo oculto pode ser entendido como um conjunto de atitudes, valores e comportamentos que não fazem parte de forma explícita do currículo formal, porém, são implicitamente “ensinados” por meio das relações sociais, dos rituais, das práticas e da configuração espacial e temporal da escola. (SILVA, 2000, p. 94)
Quem nunca viveu ou ouviu alguma história marcante, no qual a atuação do/a professor/a foi além do que estava planejado e pode ilustrar as diversas faces desse currículo oculto?
Trago, neste texto, duas dessas histórias (uma que ouvi e outra que vivi) e sei (tenho quase certeza) que os professores/as que lerem vão se identificar com a narrativa, com o seu desfecho ou com a sensação de satisfação por fazer a diferença na vida de outro ser.
Na história que ouvi, a professora relatou uma intervenção num momento lúdico com as crianças de educação infantil. As meninas simulavam um salão de beleza: penteavam os cabelos, prendiam, soltavam e os jogavam de um lado para o outro na frente do espelho.
Muito atenta, a professora notou que uma das alunas ficou lá no canto, isolada e ao questioná-la, soube que não gostava do próprio cabelo, que era crespo. Bem esperta, a docente correu pesquisar na internet fotos de vários penteados para cabelo crespo e mostrou à sua aluna, pedindo que escolhesse o mais bonito. Sentou a aluna numa cadeira e com pentes, gel e laços, como instrumentos não convencionais de trabalho, promoveu a magia. A menina não parava de sorrir e logo fez as pazes com o espelho, se admirava e demonstrava orgulho do que estava vendo. Daquele dia em diante, a aluna se transformou, mudou sua postura ao sentar-se (antes curvada para dentro e hoje de cabeça erguida) e na vida, passou até a liderar as brincadeiras entre as amigas.
Será que o empoderamento de meninos e meninas é uma das faces do currículo oculto?
A história que vivi foi junto aos/às alunos/as do 4º e 5º ano do ensino fundamental de uma escola da periferia de uma grande cidade. O ano era 2005 e eu, professora do 4º ano, conversava com minha amiga Beatriz, professora do 5º ano. Constatamos que nossos/as alunos/as tinham baixas expectativas quanto a sua futura atuação profissional e resolvemos então, criar um projeto interdisciplinar abordando as profissões.
No início, perguntamos às crianças o que elas desejavam ser (profissionalmente) e a maioria das respostas demonstravam a expectativa de reproduzir as profissões de seus familiares. Diziam “quero ser vendedora ou faxineira como minha mãe” “quero ser pedreiro ou fazer um bico como meu pai” “vou trabalhar no bar como o meu avô”. Ao ler esse diagnóstico, pensamos que precisávamos ampliar essas possibilidades, pois não havia nenhum problema em serem vendedores/as, faxineiros/s, pedreiros/as ou qualquer outra coisa, desde que essa fosse a opção de cada um/a e não a falta de opção.
Os meses seguintes foram intensos. Recebemos a visita de diversos/as profissionais contando como começaram seu percurso, saímos da escola para visitar outros locais e conhecer outras profissões, levamos as turmas para pesquisar no laboratório de informática da escola, enfim, foram muitas atividades com o objetivo mostrar-lhes o que estava além do que já conheciam.
Ao final do projeto, repetimos a mesma pergunta e dessa vez as respostas foram as mais variadas possíveis: professor/a, dentista/a, esportista, fisioterapeuta, e até um paleontólogo.
Achei que ali tivesse o resultado (bem-sucedido) do nosso trabalho, mas eis que passados 15 anos dessa ocasião, recebi uma mensagem, por meio de uma das minhas redes sociais, de uma das alunas daquela época. A mensagem dizia o seguinte:
“Não sei se vai lembrar quem eu sou, mas fui sua aluna e participei de um projeto que me apresentou muitas profissões. No início eu só pensava em ser vendedora da lojinha lá da rua, mas ao visitarmos aquela casa de idosos, saí com o firme propósito de me tornar uma excelente fisioterapeuta. Pois bem, hoje estou aqui na Universidade Federal de Minas Gerais e te mando uma foto da minha formatura, que acabou de acontecer. Quando peguei o diploma lembrei de você e da Beatriz”.
Será que essa mudança de realidade estava planejada no currículo oficial?
Será que esperávamos tamanho alcance do nosso trabalho?
Será que cada professor/a desse país sabe o quanto é importante nesse trabalho que vai muito além do currículo oficial?
Quantos outros casos, semelhantes aos narrados, poderíamos contar a partir da experiência nesses 10 anos de existência da Elos Educacional, para ilustrar a importância do/a profissional docente? Lanço, então, um desafio: deixe uma experiência nos comentários e nos ajude a ampliar esse orgulho de ser professor/a!
E como forma de homenagear cada educador e educadora, trago um poema de Divani Medeiros, profissional da educação e escritora, que foi aluna em um dos cursos oferecidos pela Elos Educacional.
Professor: mestre da vida
Divani Medeiros
Professores, são pensadores
Que difundem sabedoria
Lutam por seus ideais
São guerreiros todos os dias
Estão sempre na estrada
Que chova ou faça sol
É um ser de competência
Que não perde a sua essência
Estando em sala de aula
Mediando o conhecimento
Fica feliz em perceber
Que tem reconhecimento
É uma dádiva de Deus
A todos os cidadãos
Sendo ele o responsável
Por formar as profissões
Faço parte dessa equipe
De aprender a aprender
Onde me sinto agraciada
À educação pertencer
Na sua sabedoria
Deus nos faz ensinar
Uma missão tão nobre
Que devemos cultivar
SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sob a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
SILVA, T. T. Teoria cultural e educação: um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000
Sinto muito orgulho em ler esse texto,ela sempre teve esta personalidade forte, sofreu preconceito onde cursou o ginásio e um dia desses estávamos conversando e qual não foi a minha surpresa quando ela me contou o que havia acontecido entre ela e um aluno que a humilhou sobre a sua cor. Perguntei o porquê dela nunca ter me contado, e ela me disse, que sempre resolvia para não me preocupar.
Que texto emocionante! Semana passada recebi um texto com um relato desse!
Que texto emocionante! Semana passada recebi um texto com um relato de uma ex aluna. Com certeza me vi nesse texto. Parabens
Que legal sei comentário, Neusa!
Ao escrever, eu fiquei imaginando quebrar histórias semelhantes outros professores teriam para contar.
Parabéns pelo seu trabalho e por ter feito a diferença na vida dessa e de outros alunos.
Parabéns Janaina por tanta sensibilidade ao retratar a nossa profissão. Para muitos fazemos pouco, mas para aqueles que se dão oportunidade, que nos ouvem, entendem à seriedade e o amor com que realizamos nosso trabalho. Não tem coisa melhor do que receber mensagens dos ex alunos dizendo o quanto estão bem, que foram bem no vestibular porque se lembrou da matéria que você ensinou, que resolveram mudar o comportamento porque se lembraram daquela conversa que tiveram conosco, onde dizíamos o quanto acreditávamos nele. Ser professor vai muito além do currículo formal.
Que bom que você gostou, Patrícia!
Sabemos de todas as dificuldades de ser professor/a no Brasil, mas como é bom não perdermos esse encantamento ao ensinar.
E concordo com você: não há registro mais positivo do nosso trabalho que o feedback do sucesso dos/as nossos/as alunos/as.
Parabéns pelo excelente texto e por compartilhar essas histórias inspiradoras.
Obrigada, Willians!
Fico muito feliz que tenham gostado.