por Silvana Tamassia
25/11/2024
Quando eu era criança sofria muito por causa da minha cor. Eu era branca, mas muito branca e, frequentemente, era motivo de piadas, tanto na escola, quanto na rua. Me sentia muito incomodada com essa situação e isso me inibia muito.
Eu tinha muita vergonha até de ir às aulas de Educação Física que eu adorava, por causa dos uniformes obrigatórios que eram compostos de shorts e saias brancas de pregas. Um clássico na época.
Depois de adulta, comecei a ouvir relatos de diversas histórias vividas por colegas negros e negras e que me mostraram uma outra realidade em relação aos desafios que a cor da pele nos impõe e entendi que o que eu vivi poderia ser classificado como bullying, algo que acontece pontualmente e que, na maioria das vezes, tem a ver com algo que te incomoda ou com uma característica que é destacada pelas outras pessoas como negativa e que gera agressão e intimidação repetitiva contra um indivíduo que não é aceito ou é perseguido por um grupo, na maioria das vezes na própria escola. São agressões verbais, físicas ou psicológicas que humilham, intimidam e, por vezes, traumatizam a vítima. Porém, é algo pontual, que acontece em determinado momento da vida e que, com ajuda psicológica e, muitas vezes, com a maturidade, conseguimos superar e compreender.
Porém, se a minha cor parecia dificultar a minha vida e as relações durante a infância e adolescência, me afetando emocionalmente, na vida adulta percebi que isso não era, de fato, um problema. Ao contrário, ao crescer, entendi que ser branca era um privilégio, um privilégio que costuma trazer benefícios e abrir portas, mesmo que a gente não se dê conta disso…
Mas, só depois de começar a ouvir outras pessoas e a estudar sobre o tema pude perceber isso e entender o que a cor da pele significa na nossa sociedade. E isso é o que chamamos de racismo.
Racismo é a denominação da discriminação e do preconceito (direta ou indiretamente) contra indivíduos ou grupos por causa de sua raça/etnia ou cor. É algo que está enraizado em nossa sociedade de maneira estrutural e, por isso muitas vezes é naturalizado, passando a impressão de que ele não acontece ou simplesmente não existe.
Quem sofre o preconceito por causa de sua cor ou raça/etnia sente isso logo cedo, vive isso diariamente. Mas, quem está no lugar de privilégio, demora a perceber. Algumas pessoas podem passar a vida inteira sem notar que muita gente ao seu redor está sofrendo, e pior que isso, muita gente está sofrendo por sua causa, por causa de pessoas que não notam a dor de quem está do seu lado e ainda fala ou faz coisas que acabam agredindo ou ofendendo ainda mais essas pessoas.
Comentários considerados muitas vezes inofensivos para quem os diz, ferem na alma de quem ouve e vive esse racismo o tempo todo, porque escuta isso diariamente, porque escuta isso em diferentes situações, porque muitas vezes não se sente parte dentro dos espaços em que tenta adentrar, até mesmo dentro do seu próprio bairro, na sua comunidade, no seu próprio condomínio, na sua própria casa quando liga a TV e não se reconhece na tela, não se vê representado/a.
Felizmente este ponto está começando a mudar, com personagens negras e negros ganhando destaque como protagonistas, como apresentadores/as, etc.
No entanto, ouvir a dor de colegas bem-sucedidos/as em sua área de atuação, mas que até hoje precisam ir para um espaço aberto no mercado caso precisem pegar algo dentro da bolsa, ou que são seguidos/as pelo segurança ao entrar em determinados estabelecimentos, mesmo que estejam lá apenas para comprar algo, deixa claro que este é um problema real e que persiste nos dias atuais.
Mesmo que tenham dinheiro ou posição social similar a outras pessoas brancas que estão neste mesmo espaço; ainda assim são alvo da desconfiança impregnada nesse racismo estrutural. Acontece, inclusive com pessoas famosas e com grande prestígio, como por exemplo, o caso do jogador Vinicius Junior, que mesmo sendo um dos melhores jogadores do mundo e estando em um dos times mais reconhecidos, ainda assim tem sido, recorrentemente, vítima de racismo.
Agora, imaginem para aquelas pessoas que ainda não conseguiram acessar outros espaços e oportunidades que ainda estão distantes da maioria da população negra do nosso país.
Mesmo depois de mais de um século da escravidão ter acabado, oficialmente, o preconceito persiste e a ideia que foi vendida pelos detentores de poder da época de que o negro era inferior, permanece na cabeça de muitas pessoas ainda nos dias de hoje, impedindo que possamos enxergar as injustiças que acontecem à nossa volta e, muitas vezes, concordando com elas sem sequer se questionar se fazem sentido, se o que aquela pessoa está vivendo aconteceria também se a cor da pele dela fosse branca.
Na psicanálise, sabemos que só é possível tratar aquilo que vem para o consciente, aquilo que conseguimos trazer à tona para modificar. Se continuarmos cegos/as e surdos/as diante das injustiças e não conseguirmos enxergar os privilégios que as pessoas brancas possuem e as injustiças sofridas diariamente por pessoas negras, não conseguiremos avançar em prol de uma sociedade mais justa e equitativa, na qual o valor das pessoas não seja medido pela cor da sua pele, mas pela sua competência, pela sua atitude, pelo seu caráter.
Só quando começamos a enxergar a dor do/a outro/a é que passamos a entender os nossos privilégios e a repensar aquilo que falamos ou fazemos. Djamila Ribeiro (2022) reforça a importância de não diminuirmos a dor de quem é discriminado, mas sim, que possamos compreender a situação que essa pessoa passou para não agir da mesma forma.
Por isso, nós, educadores/as, temos um papel fundamental na transformação da sociedade em que vivemos.
Um termo que conheci recentemente e que fez muito sentido para mim é o letramento racial. O letramento racial fala sobre como podemos nos “alfabetizar” em questões relativas à cor e a raça em nossa sociedade. O conhecimento é uma arma poderosa para mudar a nossa sociedade e nós, educadores/as, temos um papel fundamental para levar essas discussões para nossas escolas, nossas formações e nossos espaços de discussão nos quais possamos trazer estas reflexões contribuindo para esta percepção das pessoas à nossa volta.
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Referências
BRASIL ESCOLA. Bullying. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/bullying.htm>. Acesso em: 4 out. 2024.
BRASIL ESCOLA. Racismo. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/racismo.htm>. Acesso em: 4 out. 2024.
RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
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