Educação

A escuta como transformadora de relações – Parte 2/2

por Cristina Harich Berne

04/06/2021

A escuta é transformadora na medida em que, muitas vezes, o “estrangeiro”, aquele que está de fora, vê as situações por outra perspectiva, diferente daquele que está inserido naquele contexto e acostumado a ver aquela situação da mesma forma. Nessa posição, quem escuta consegue observar melhor e ver aquilo que quem está “dentro” não consegue ver; e isso só se consegue ouvindo, ouvindo e ouvindo.

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Quem fala muito, escuta pouco. Quanto menos a pessoa escuta, pior será sua relação com os outros. Quanto menos a pessoa se escuta, mais demanda ser escutada pelos outros.

Você conhece alguém assim? Quero dizer, uma pessoa que não dá chance para você falar, que conta tudo de todos, vai se atropelando, emendando uma história atrás da outra. Resumindo, nestas situações costumamos nos ver de duas formas: tentamos aguardar aquele momento em que a pessoa puxa o fôlego e entramos com algum comentário ou, o que é mais comum, não conseguimos manter a atenção e o foco na conversa e acabamos por nos distrair com nossos pensamentos e preocupações e nossa reação para que a outra pessoa se sinta ouvida (e não escutada) é deixar escapar aquelas famosas expressões “hum, é verdade, sim, ahã”.

Como fiz o provérbio chinês…

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 Podemos aprender a escutar quando há o desejo genuíno de aprender como escutar os outros e de aprender isso com o outro. Escutar com qualidade é algo que se aprende com uso de técnicas, exercício e experimentação. Como o efeito da escuta se dá no outro, é difícil saber o quanto estamos dominando a arte da escuta, ou seja, qual efeito a nossa escuta está causando no outro como o humor, o riso, a mudança de atitude consigo mesmo e com os outros. O bom escutador é aquele que está interessado em produzir um efeito no outro. E para que isso aconteça, precisamos atentar para alguns elementos e situações que favorecerão este efeito no outro.

 

  • Escute a si mesmo

Aqui é preciso uma atenção extra de você, leitor: escutar o outro começa pela possibilidade de escutar a si mesmo. Se eu não escuto a mim mesmo, não consigo ouvir o outro e suas necessidades, pois o foco ainda estará nas minhas necessidades. Escute o barulho que mora no seu silêncio, escute-se, verdadeiramente, para que você possa escutar, verdadeiramente, o outro.

  • Acolhimento

O primeiro passo para a escuta é o acolhimento. O acolhimento pressupõe empatia, ou seja, assumir e respeitar a perspectiva do outro, fazer uma conexão, reconhecer suas emoções e comunicá-las, é sentir com o outro. Às vezes não temos “a palavra” para manter este contrato de fala e escuta, mas podemos acolher e dizer “eu sei como é estar neste lugar, mas você não está sozinho”. Esta conexão com o outro, o acolhimento e a escuta, nunca deve ter como norte frases como “bem, pelo menos…”, porque apesar de as pessoas quererem “dourar” a situação perante a dor do outro, tentando melhorá-la, essa forma de escutar não alivia, de fato, a dor. O melhor seria dizer algo como “ eu não sei o que dizer, mas fico feliz que tenha me contado”, porque dificilmente a resposta melhora alguma coisa ou causa um efeito no outro, o que faz o outro se sentir melhor é a conexão. Quando escutamos verdadeiramente, estamos dizendo “você é importante para mim”.

  • Precisa ser um ato voluntário

Aprender a escutar não é tornar-se psicólogo ou psicanalista, é um ato voluntário e humano de melhorar as relações e o respeito ao outro. O dicionário define ato voluntário como “o ato de doar seu tempo e seu conhecimento para fomentar a sociedade em que você vive, através de ações que não são remuneradas, mas que têm um valor importante para sua comunidade e para o próximo. ” Ou seja, a verdadeira escuta precisa estar desprovida da necessidade de recompensa.

  • O outro como foco

Não há uma receita para se tornar um “escutador”, cada um vai encontrando seu jeito próprio, seu estilo de escutar, do lugar onde está, das histórias que viveu, da sua experiência de vida. Vai exercitando e prestando atenção às necessidades dos outros, tendo o outro como foco da sua atenção, escolhendo as melhores palavras para acolher, doando seu tempo.

É importante ressaltar que a arte da escuta pressupõe uma estrutura de diálogo. Por exemplo, quem fala espera uma reação de quem escuta para se sentir realmente escutado, por isso este diálogo será construído numa estrutura onde ora um fala, ora será o outro. Mas escutar nem sempre pressupõe que preciso concordar, discordar ou dar conselhos, podemos simplesmente dizer que entendemos o que o outro diz, mas que neste momento, não temos o que dizer.

  • Manter-se na situação

Resista à tentação de parar de escutar, “saindo do encontro”, exercendo o poder ou defendendo sua imagem. Sabe aquela situação em que a pessoa fala de seu problema de saúde e você, imediatamente, tem um problema pior para relatar? Ou então, no momento da escuta a pessoa não se controla e mostra que sabe tudo sobre aquilo e dispara aquela rajada de metralhadora com conselhos que só ela sabe ou com conhecimentos que só ela tem. Quando você escuta, deixa de lado as suas necessidades de expressar-se, de contar um “causo” ou de competir e comparar as situações relatadas pelo outro com as suas. Sustentar a presença é muito mais importante do que se ocupar com seu papel. Este exercício de escutar consciente e intencionalmente, é capaz de mudar as relações.

  • Paciência

Paciência é uma virtude e é essencial para a escuta genuína. Repare que, muitas vezes, queremos logo chegar ao destino sem desfrutar do caminho, ou seja, pôr fim à conversa sem ter prestado atenção ao outro. Escutar é estar no caminho, pois a escuta é, por definição, centrada no processo e não no produto final. Neste processo, oferecemos palavras e presença que vão além da simpatia. Praticando a escuta pacienciosa, dosamos o silêncio com a arte de colocar perguntas: porque mesmo A leva a B e B leva a C? O bom escutador é aquele que finge ignorância, que não se preocupa em saber tudo, em compreender tudo e consegue colocar no centro da experiência com o outro um “não saber”.

 

Escutar nos torna pessoas melhores

A escuta pode ser transformadora de relações quando tomamos a decisão de nos tornarmos genuínos escutadores, sem críticas nem julgamentos, sem esperar nada de volta, sem impor nossas opiniões, estarmos abertos de alma e coração para o outro. Esta atitude, constrói pontes e não abismos, promove conexões verdadeiras e permite que também aprendamos com o outro.

Imagine se as pessoas entrassem para uma conversa, cada uma com sua xícara vazia. Um entra com seu ponto de vista e o outro pode servir-se do quanto quiser daquilo que está sendo dito e vice-versa. Haverá escuta, haverá aprendizado e cada um sairá deste encontro melhor do que entrou. Toda vez que me conecto com alguém, posso sair deste encontro uma pessoa melhor.

Ao contrário, quando as pessoas entram para uma conversa de xícara cheia, não escutam e não aprendem, cada um fala o que sabe e o que sente, ou seja, elas saem do mesmo jeito que entraram, cada qual com sua xícara cheia de suas verdades absolutas.

Nunca deixe de praticar a escuta ativa mesmo que você precise também ser ouvido. Tudo tem seu tempo. Seu exemplo de escuta ensinará o outro a praticá-la e se tornar um bom escutador. É na escuta que a conexão nasce e é na “não escuta” que ela termina. Seja você um exemplo!

 

“ O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “se eu fosse você”. A gente ama não é a pessoa que fala bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. ”

Rubem Alves

 

Cristina Elos

 

Referências:

ALVES, Rubem. O amor que acende a lua. 8ª edição. Ed: Papirus. 214 p. 1999.

 

Sugestões para aprofundamento:

TED X – RioVermelho. O poder da escutatória. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Wm2Gf07t3ng . Acesso em 26 de março de 2021

TED X – PedraDoSal. O poder transformador da escuta. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=IsOb4Bg1ZjY . Acesso em 31 de março de 2021

O poder da empatia. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Ay846oJ8tfY . Acesso em 20 de março de 2021

 

 

 

 

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