A importância de uma literatura infanto-juvenil com autoria e personagens negros e negras

por Regina Maria da Silva

27/02/2023

A Educação tem como um de seus grandes desafios assumir o seu papel no enfrentamento ao racismo estrutural e estruturante da sociedade brasileira. Este manifesta-se tanto na esfera individual como na institucional. Assim, como resultado de um processo histórico de longo prazo, influencia nas relações de poder e na oferta de oportunidades, na representação política, no acesso aos direitos básicos em Educação, saúde, segurança, moradia, terra, emprego e renda, dentre outros fatores.

 

O racismo também determina quais culturas serão dominantes, hegemônicas, as que serão vistas como dominadas e inferiorizadas, quais versões e quais histórias serão contadas como verdade e retratadas nos livros didáticos, reproduzidas por gerações. Assim como os povos de culturas e histórias inferiorizadas não crescerão tendo oportunidades de enxergar e conhecer outras narrativas sobre si e seus antepassados. Passarão por um processo em que a sua estigmatização e subordinação serão naturalizadas. Desse fato, decorre a importância do fortalecimento de iniciativas que dêem visibilidade às narrativas que passaram por um processo de apagamento e deturpação, principalmente permitindo que estes povos sejam os sujeitos, ou seja, possam ser os autores e protagonistas.

 

A criança é um sujeito social que constrói e produz cultura e um dos espaços privilegiados para esta ação é a escola. A escola é um espaço fundamental para o desenvolvimento infantil por vários motivos, e um deles é o de ser o espaço da pluralidade, da diversidade. Muitas vezes, a escola é o primeiro local em que a criança passa a conviver com seus pares, mas também onde começa a interagir com pessoas diferentes de seu núcleo familiar. Diferentes em relação à cultura, religião, valores, cor/raça, hábitos etc. E essa diversidade proporciona uma riqueza de vivências e experiências que dificilmente aconteceria de outra maneira.

 

Entretanto, a escola que sempre conhecemos vem passando por mudanças significativas nos últimos anos e contemplando cada vez mais questões pertinentes às dinâmicas sociais. Uma destas questões, demanda antiga e histórica dos movimentos negros, é a necessidade de implementação de uma educação antirracista e de uma reeducação das relações étnico-raciais, alavancadas pelas alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996) com as leis 10.639/2003 (que acaba de completar 20 anos) e 11.645/2008, trazendo respectivamente a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e História e Cultura Indígena.

 

Uma estratégia fundamental nesta perspectiva é de inserir, cada vez mais, uma literatura infanto-juvenil com autoria e personagens negras no cotidiano das escolas de Educação Básica. É importante para o desenvolvimento infantil ter um repertório imagético positivo para consolidar uma autoimagem positiva de si. E esta não era uma realidade possível para crianças não-brancas. Mesmo na atualidade, nas salas de aula ou em casa, as crianças não costumam ser expostas a referências de princesas, príncipes, reis, rainhas, heróis, heroínas ou personagens negras com protagonismo com o qual possam se identificar ou ver de forma positiva. O que também é primordial para crianças não-negras. Em geral, a criança tem contato com personagens negros inferiorizados, representados como escravizados, empregados, vilões/bandidos das histórias ou ainda com estereotipias, como em lendas folclóricas. (SILVA, 2020).

 

“Uma vez que o racismo é estrutural, isto é, faz parte da construção educativa nacional desde a infância, precisa ser desconstruído por pessoas com visões mais dinâmicas sobre a constituição do país, sem que emitam juízo de valor ou afirmem que as contribuições dos brancos são mais significativas que as contribuições de negros e indígenas. Para que isso deixe de acontecer, pessoas precisam saber que uma visão que desconsidera o todo nunca é uma visão democrática e sim totalitária e perversa. A diversidade precisa ser vivenciada e experimentada no seio de onde ela se processa bem como dentro dos grupos culturais como, por exemplo, escolas de samba, nos blocos afro-brasileiros e nos festivais culturais de forma geral, para que as pessoas comecem a desconstruir imaginário hegemônico e racista com relação a tudo o que veem sobre negros e indígenas” (OLIVEIRA, 2020, p. 6)

 

Todas as crianças precisam ter contato com uma diversidade étnico-racial que também está presente na sociedade para que possam desenvolver sentimentos positivos em relação aos grupos não-hegemônicos, isto é, que não correspondem ao padrão eurocêntrico, predominante nas imagens e narrativas dos livros de literatura ou didáticos. De acordo com Gomes (2003), a cultura negra, e também sua história, sofre uma desqualificação e passa por uma hierarquização na qual a escola acaba sendo um dos espaços de difusão. Assim, faz-se necessário compreender como o racismo opera e, com práticas antirracistas, possibilitar a construção de representações positivas da história e da cultura africana e afro-brasileira. Entendemos, assim, o papel estratégico da utilização da literatura infanto-juvenil com autoria e personagens negras.

 

A partir de Araújo (2018), Jovino (2006) e Costa (2020) temos algumas categorias desta literatura que precisa estar presente na ampliação do repertório das crianças, destacando que sejam livros com boa qualidade gráfica, narrativas significativas, valorizando a história e cultura africana e afro-brasileira, exaltando a estética negra e inserindo personagens que tenham sua identidade reconhecida. E, sem dúvida, histórias onde haja autoria negra (já que por tanto tempo, a literatura infanto-juvenil privilegiou o negro somente como objeto, mas não como autor e sujeito) e personagens negras em situação de protagonismo.

 

A primeira categoria é de CONFLITOS DO UNIVERSO INFANTIL, que vão abordar temas que qualquer criança poderá se identificar, como afetividade em família, as descobertas em um passeio e o choro. Afinal, crianças negras não podem acreditar que só poderá ser vista em situações que envolvem racismo e dor. São sugestões: “Tanto, Tanto”, de Trish Cooke (1994), “O menino Nito” (2008) e “Alice vê”, ambos de Sonia Rosa.

 

 

A segunda categoria é sobre VALORIZAÇÃO DA ESTÉTICA E DA IDENTIDADE NEGRA. Neste caso, obras que vão tratar de modo positivo questões sobre a cor/raça preta/negra, seus traços fenotípicos como o cabelo, o nariz, seu tom de pele e exaltar a sua identidade e ancestralidade. São exemplos: “O mundo no black power de Tayó” (2013) e “O black power de Akin” (2020), ambos de Kiusam de Oliveira e “Sulwe”, de Lupita Nyong’o (2019).

 

 

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Comentários sobre o texto

  1. Alaide Emidio de Sousa disse:

    É necessario ter livris escritos por autores negros sim. E devem abordar os mais variados temas.

    1. Elos disse:

      Exatamente Alaide, que este movimento cresça cada vez mais dentro das escolas.
      Obrigada!

  2. Thaís disse:

    Que perfeito. Mais didático impossível. Que honra ter te assistido na USP e continuar acompanhando. Vou levar essa reflexão para os colegas. Obrigada

    1. Elos disse:

      Obrigada por compartilhar esse importante texto.
      Abraços!

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