por Cristina Harich Berne
31/05/2021
Este texto é um convite para a reflexão sobre como estamos nos comunicando, se estamos escutando e como estamos escutando aqueles que estão à nossa volta. Será que você está escutando ou está ouvindo? Já parou para pensar nisso?
A escuta sempre foi necessária e sabemos disso, embora nem todos a pratiquem, mas hoje, a escuta nunca se mostrou tão essencial de ser vivenciada e praticada. As pessoas, confinadas e amedrontadas pela pandemia, se viram consigo mesmas, talvez, pela primeira vez. Muitas foram as surpresas. Conhecemos aqueles que nunca tiveram a oportunidade de ter o sossego de acordar, tomar seu café e trabalhar tranquilamente sem o estresse do deslocamento e viveram este tempo contemplando esse momento de estar em casa e consigo mesmos. Já outras, atropeladas pela rotina e pela turbulência dos dias, ao se depararem consigo mesmas ou com a convivência com o outro, que antes se resumia aos finais de semana, ou os muitos que perderam sua fonte de renda, confinados e aliado ao medo da doença, se viram sem rumo, perdidos, assustados, desorganizados, frustrados, deprimidos.
Aqueles que conseguiram se manter equilibrados e ver o lado positivo deste momento, se tornaram bons “escutadores” para aqueles que estavam no processo de digestão da nova realidade. O que vimos foi que a necessidade de se comunicar, falar e ser ouvido nunca ficou tão escancarada, fosse nas relações pessoais fosse no ambiente de trabalho, afinal, todos estavam sensíveis e fragilizados pelo isolamento. Encontros virtuais entre amigos e familiares, grupos de WhatsApp para uma comunicação mais próxima e intensa, grupos de estudos, grupos de leitura, enfim, as pessoas buscaram formas de interagir e se manterem conectados apesar do isolamento. Todos tinham necessidade do outro.
Foi aí que atos de solidariedade se tornaram formas de comunicação e escuta. Escuta no sentido das pessoas se sentirem acolhidas, amparadas e atendidas em suas necessidades pelos que estavam próximos ou aqueles nem tão próximos. Presenciamos, por exemplo, vizinhos e parentes fazendo o supermercado para os idosos que precisavam de maior ou total isolamento. Foram cenas e exemplos lindos e que transformaram relações pois houve escuta, uma forma indireta, mas muito humana de escutar o outro e suas necessidades.
Você já parou para pensar: escutar e ouvir são sinônimos ou são processos distintos? Escutar e ouvir são coisas diferentes: ouvir é acionar o aparelho auditivo para captar uma informação. Escutar, é acionar o coração e alma para acolher o outro. Ouvir é processar a informação de forma mecânica, escutar é se abrir verdadeiramente, é doar seu tempo para o outro e lembrem-se, doar não pressupõe recompensa. Ouvir é um ato passivo, escutar exige receptividade. A escuta não se confunde com o que se passa exclusivamente no ouvido, a escuta amplifica para “ouvirmos” melhor.
Escutar é despir-se da versão que temos de nós mesmos e dos outros, daquilo que conhecemos para receber do outro, é renunciar ao exercício do poder, ou seja, ouvir pressupõe não julgar, não criticar e sim acolher. Escutar é sair de si e assumir a perspectiva do outro. Assim, o bom escutador será aquele capaz de “ler” as pessoas, alguém que se interessa em penetrar na vida alheia, sem fazer julgamentos.
Escutar não é tarefa simples. Muitas vezes, nos propomos a escutar alguém, queremos reforçar nossos laços ou manter relações de amizade, ou até mesmo doar nosso tempo para conversar com pessoas que se encontram mais isoladas, por exemplo. Pode ser que você, na tentativa de escutar, já tenha passado pela frequente situação de, enquanto a pessoa fala, você viaja para um outro mundo onde prevalecem a lista de supermercado, as tarefas que precisa fazer, na proximidade do horário de buscar as crianças na escola, o prazo para entrega do trabalho que está expirando em horas ou os compromissos da sua agenda. Às vezes, isso acontece porque de fato estamos atarefados. Outras vezes, a fala do outro é tão enfadonha e interminável, que entramos no “modo avião” para poder sustentar a presença. Ou ainda, acreditamos que o outro não é interessante o suficiente e sim eu, que sou mais interessante e concentro o foco em mim e não no outro. Isto é ouvir e não escutar.
Em outra situação, você está “escutando”, mas pensando o que vai dizer para a pessoa, como vai fazer uma intervenção, afinal, se ela te procurou, é porque quer ouvir algo também. Nem sempre precisamos dizer algo, mas é importante que a pessoa saiba e sinta que você está ouvindo, por exemplo, usando uma paráfrase: “Ah, entendi, você está dizendo que…”
Dhunker e Thebas (2019) definem a arte de escutar como “meio oposta à arte de entender, é uma arte cuidadosa de desentender os outros, de perguntar por que mesmo A leva a B e B leva a C, quando isso está claro e cristalino para quem fala, mas não se escuta. ”
A vida em ambientes onde as pessoas não se escutam, com o passar do tempo, se tornam insalubres, tóxicos e leva a um ambiente onde a agressividade é uma constante e se torna a tônica destas relações. As pessoas, aos poucos vão se calando e perdendo a habilidade de se comunicar, que ora se faz na fala, ora na escuta. É aí que vemos o fenômeno da “desescutação”, onde cada um passa a, simplesmente, reagir ao outro.
Quando você se sente escutado, você quer mais e quando você entende que escutou alguém, o outro quer mais também. A arte da escuta, resumidamente, pressupõe o foco no outro, atenção ao tempo, cuidado com as palavras, empatia e sem expectativas alimentadas.
Quer saber como você pode desenvolver essa arte da escuta?
Veja na próxima semana, na segunda parte do texto. Espero você para continuarmos esta conversa…
Referências:
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