Precisamos falar dos medos!

por Regina Peralta

19/04/2023

Ter medo é uma das características de todos os seres vivos. Ele é fruto de sensações ou de pressentimentos de algo que irá acontecer ou que já aconteceu, foi traumático, e não queremos que repita.

 

Essa definição parece bem plausível. A questão é o que fazemos com os medos?

 

Por que decidi começar essa reflexão falando sobre o medo?

 

Porque nos últimos dias ele vem me acompanhando a cada notícia, a cada mensagem que tenho acesso sobre escola. Como se não bastasse tudo que a educação vivenciou nos tempos de pandemia, ainda temos que enfrentar novos medos que estão surgindo em nossos caminhos e que, muitos de nós, não sabemos como enfrentá-los. Sou de um tempo (essa frase já diz muito sobre a minha idade) em que a escola era um lugar de convivência, de perrengues, de problemas, mas, também, de muita alegria. Aqui, falo como estudante,  como docente, como mãe e como coordenadora.

 

Nos últimos dias, estamos vivenciando, no país todo, o medo da violência desmedida. O que está acontecendo com as nossas escolas? Em que momento deixamos de ser um lugar de confiança, de segurança, de acolhimento?

 

A minha percepção para essas perguntas é de que foi quando deixamos de falar sobre os medos, deixamos de nos ouvir e nos fortalecer enquanto membros da comunidade educacional.  Permitimos que outros nos dissessem o que fazer, nos julgassem pelas nossas ações e de certa forma, nos calassem.

 

Como podemos ajudar  estudantes, professores/as, gestores/as e a comunidade toda se não estamos nos ouvindo e falando dos nossos medos? Essa reflexão que me impulsionou a escrever esse texto é para falar sobre a urgência de cada unidade escolar deste nosso país PARAR.

 

Parar de planejar as aulas mecanicamente como se nada estivesse acontecendo. Parar de fazer avaliações enquanto os alunos estiverem temendo cada um que está ao seu redor. Parar de querer resultados satisfatórios relativizando o que está na nossa frente. Parar e simplesmente conversar. Por favor, parem tudo!

 

Comecem a semana realizando rodas de conversas entre estudantes, entre docentes, entre sua comunidade. Antes de chamarem as autoridades, vamos retomar a nossa autoridade de educadores/as. Precisamos nos fortalecer enquanto membros de uma sociedade e nos ouvir.

 

 

Fiquei sabendo de crianças que estão indo para as escolas levando em suas mochilas facas, não para atacarem alunos ou professores, mas para se defenderem. Dá para imaginar o medo que essas crianças estão vivenciando?

 

Imaginem como devem estar os/as  professores/as, frente às ameaças e às Fake News que estão circulando em todas as mídias?

 

O meu medo que motivou para essa reflexão é desse silêncio velado.

 

É de ter a sensação de que alguns/algumas educadores/as preferem se calar, não falar nada e se algum estudante perguntar, responder que isso é Fake News e continuar a dar sua aula.  Não estou julgando ninguém, não tenho o direito e muito menos a pretensão de julgar. O que sei é que algumas das caraterísticas do medo é a paralisação e a negação.

 

Para que a escola volte a ser esse lugar de convivência e de acolhimento, precisamos falar.  Falar com todos/as da comunidade escolar: estudantes maiores e crianças pequenas; com os/as docentes; os/as responsáveis; gestores/as; colaboradores/as, enfim todos/as. São os/as estudantes  que estão com medo do espaço que deveria protegê-los. São os/as docentes que estão com medo de irem para seus locais de trabalho. São todos/as os membros da comunidade que acham que entre eles/as pode haver alguém que irá machucar seus/suas filhos/as, seus/suas parentes ou amigos/as. Por isso é que precisamos falar.

 

Não acredito que trazer uma autoridade policial para ficar na escola trará segurança e deixaremos de temer. Até porque, escolas militarizadas também tiveram atos de violência nesses dois últimos anos.

 

Será que nós, educadores/as, perdemos a capacidade de ouvir e de falar?

 

Você, educador/a, lembra que seus alunos/as te viam como uma referência e que o que você dizia era algo que eles levavam em conta? Quantas vezes já ouviram a frase: “Professor/a eu até hoje lembro quando você disse…”

 

Sei também que tem momentos em que nós, educadores/as, temos receio e não sabemos o que falar. Mas é melhor pecar tentando acertar do que por omissão.  A omissão gera submissão e culpa.

 

Para contribuir, trago aqui, alguns exemplos de como iniciar essa conversa nas escolas.

 

 

Com os/as menores, perguntar numa roda de conversa, o que te dá medo? Construir uma tabela com dicas de como superar os medos que forem sendo apresentados. Com os estudantes do fundamental II e Ensino médio, conversar sobre seus medos e quais são suas referências? Quais são as pessoas que eles/as confiam?

 

Docentes, façam essas perguntas para vocês mesmos/as.

 

Não sabemos o que iremos ouvir, mas tenho a certeza de que, a partir dessas respostas, poderemos construir novamente ações que farão com que a escola volte a ser um lugar de convivência humanizada, um lugar que se queira ficar.

 

Para encerrar essa reflexão, deixo aqui, um trecho que li recentemente do livro A Mente Moralista de Jonathan Haidt,  que traz uma mensagem  do mestre Zen chinês do século VIII Sengcan:

 

O Caminho Perfeito só é difícil

Para os muito exigentes;

Não goste, não desgoste;

E tudo ficará claro.

Faça a diferença ainda que íntima,

E Céu e Terra se distinguem;

Se você quer a verdade pura diante de si,

Nunca seja contra ou a favor.

A luta entre o “contra” e o “a favor”

É a pior doença da mente.

(Sengcan, Hsin hsin ming. Em Conze, 1954.)

 

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Comentários sobre o texto

  1. Michael Alfredo disse:

    Parabéns, Regina!

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