Desafios na Educação Indígena: Caminhos para a Inclusão e Qualidade

por Claudia Zuppini e Antonio Barreto

27/08/2024

Entrevista com professor Antonio da Silva Barreto, coordenador da educação escolar indígena – SEMED – Manicoré/AM para a Elos Educacional

 

Pensar na educação indígena e em um currículo que atenda suas especificidades é um grande desafio para as redes de ensino e, para entender melhor esta complexidade, Claudia Zuppini, cofundadora e diretora da Elos Educacional, convidou o professor ativista Antonio da Silva Barreto para conversar sobre o assunto.

 

Claudia Zuppini:

Professor Antonio, quais são os principais desafios que as comunidades indígenas enfrentam no acesso à educação de qualidade?

 

Professor Antonio Barreto:

Olá, Cláudia, tudo bem? É um prazer estar aqui para participar deste debate e contribuir para o desenvolvimento e fortalecimento da educação escolar.

 

Para falar sobre os maiores desafios enfrentados pelas comunidades indígenas no acesso à educação de qualidade, preciso voltar um pouco na história e falar dos desafios enfrentados pelos meus antepassados. A história nos conta que, durante os séculos XVII ao XIX, os jesuítas e os portugueses chegaram e foram dizimando a população indígena, tentando massificar a cultura e criar uma “língua geral” para facilitar a comunicação. Os indígenas Mura, por exemplo, foram classificados como perigosos porque não se entregavam facilmente, eram nômades e não trabalhavam de forma fixa.

 

Os indígenas Mura, para sobreviver, tiveram que negar a própria língua, que era seu maior patrimônio. A riqueza cultural foi se perdendo porque os/as idosos/as, que dominavam a língua, foram morrendo e eram proibidos/as de ensinar os/as mais novos/as. Por isso, um dos motivos pelo qual não falo a língua materna é que não tivemos a oportunidade de mantê-la viva. Eu falo português e não uso adornos tradicionais porque isso não existe no meu povo atualmente, mas isso não me impede de me identificar como indígena.

 

Este desafio ainda é enfrentado hoje na sociedade. Muitos não nos reconheciam como indígenas até os finais dos anos 80 e início dos anos 90, quando uma equipe do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) começou a fazer levantamentos sobre a nossa situação. Identificaram três fatores principais: falta de assistência à saúde, falta de educação escolar indígena e exploração da produção indígena como mão-de-obra barata. Muitas famílias saíram das comunidades por medo e preconceito.

 

No final dos anos 90, conseguimos a implantação da saúde indígena pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Em 2001, o prefeito da época, Manoel de Oliveira Galdino, sentou com a população indígena para discutir ações para suas comunidades. Foi criado um núcleo de educação escolar indígena na Secretaria Municipal de Educação (Semed), onde sou coordenador desde 2008.

 

Atualmente, temos cerca de 40 escolas indígenas, mas elas ainda são consideradas escolas rurais porque não temos um currículo próprio. Estamos trabalhando para construir um projeto político-pedagógico que reflita nossa verdadeira identidade. Apesar dos desafios e mudanças de governo, temos mais autonomia na gestão atual e estamos desenvolvendo um trabalho voltado para a comunidade.

 

Participamos de formações continuadas para professores/as, mas ainda há uma grande quantidade de professores/as sem formação superior. Temos cerca de 1100 alunos/as matriculados/as na rede municipal e algumas escolas de ensino médio, tanto presenciais quanto mediadas por tecnologia.

 

Precisamos de incentivos e apoio da Semed para criar um projeto político-pedagógico que atenda às necessidades das nossas comunidades. A escola deve servir como instrumento de fortalecimento e enfrentamento dos problemas locais. Recentemente, estive em uma comunidade aplicando uma oficina de planejamento pedagógico e ajudamos essa comunidade a lidar com a invasão de caçadores e pescadores ilegais.

 

A educação escolar indígena deve servir para fortalecer o nosso povo e nossa identidade. Todos os/as nossos/as professores/as hoje são indígenas e, apesar das dificuldades iniciais, conseguimos avançar na formação. Com o apoio de projetos como o da Elos, estamos melhorando a qualidade de ensino e abrindo portas para o futuro.

 

Agradeço pelo espaço e estou sempre disponível para contribuir. Espero ter ajudado na construção deste projeto.

 

Muito obrigado.

Assista ao vídeo em nosso canal do Youtube aqui.

Ouça também o Podcast pelo Spotify

 

Foto capa: Secretaria Municipal de Educação de Manaus

 

Gostou? Compartilhe nas suas redes!

Comente qual sua opinião sobre esse texto!

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

artigos relacionados

Inscreva-se na nossa Newsletter