por Janaina Sousa
21/05/2024
Caro/a leitor/a, começo esse texto com uma afirmação: só se combate aquilo que se conhece!
É possível escolher o melhor xampu para o seu cabelo – entre as centenas de produtos que existem no mercado – sem conhecer o seu tipo de cabelo? É possível fazer um planejamento de aula que foque na aprendizagem dos/as estudantes sem antes conhecer suas necessidades?
A mesma coisa acontece com o racismo. Só conseguimos pensar em formas de combatê-lo, a partir do momento que aceitamos que ele existe e está presente nas nossas vidas, muitas vezes disfarçado pelo mito da democracia racial, mas com dados que demonstram claramente a desigualdade que ainda impera entre pessoas brancas e não brancas na nossa sociedade. Racismo: conhecer para combater
Utilizarei uma analogia que ajude a compreender a gravidade da questão. Suponha que uma pessoa tem uma doença muito séria, mas não sabe. Ela sente alguns sintomas de vez em quando, mas vai até a farmácia, compra remédios e vai resolvendo de forma paliativa. Quanto mais tempo passa, mais a doença se agrava e os sintomas começam ficar mais frequentes e incomodar mais. Quando eles se tornam insuportáveis, a pessoa resolve procurar um médico e descobre que o tratamento será muito difícil e pior, se demorasse mais um pouco não teria cura.
Algo semelhante acontece com racismo (e outros tipos de preconceito também). Percebemos alguns sinais isolados e vamos tratando paliativamente, como um remédio que se compra na farmácia para cuidar de um problema que precisa de um diagnóstico e um tratamento muito maior. Enquanto não admitirmos que ele existe como uma questão sistêmica e que, portanto, é de todos/as que coexistem neste sistema, não podemos tratá-lo e em não o tratando, ele cresce, se torna mais grave, prejudica todos/as ao seu redor e vai ficando cada vez mais difícil de se reverter.
Certo dia, acompanhando discussões em uma rede social, li comentários de várias pessoas dizendo que se o Vinícius Jr., jogador de futebol, sofre racismo, a culpa é dele que fica fazendo alarde, pois se não ligasse, as pessoas deixariam de ofendê-lo, assim como fizeram com Pelé e Ronaldinho Gaúcho. Percebem como é cruel a lógica de colocar uma pessoa como culpada pelo fato se sofrer uma agressão? E por que será que isso acontece?
O racismo está, de tal forma, arraigado na nossa estrutura que passou a se normalizar. Observe a imagem utilizada por Peter Senge no livro “Escolas que Aprendem” como forma de demonstrar como podemos “mergulhar” para descobrir a causa dos problemas.
O que vemos “acima do nível do mar” são os eventos explícitos de racismo – ofensas verbais e físicas, adolescentes negros/as presos/as e mortos/as injustamente porque foram confundidos/as com assaltantes, falta de representatividade em cargos de liderança – ou seja, são só a ponta do iceberg.
O que está “abaixo do nível mar” e não aparece, mas sustenta esses eventos, são os padrões de comportamento, a estrutura sistêmica e os modelos mentais que nos conduzem.
Observe uma forma de interpretar a imagem fazendo uma alusão ao que estamos discutindo:
A análise nos mostra que não adianta solucionarmos os eventos se não modificarmos o nosso modo de pensar, de organizar nossas estruturas e os padrões de comportamento.
Silvio Almeida, atual ministro dos direitos humanos e autor do livro “Racismo estrutural”, nos alerta que comportamentos individuais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. Assim sendo, precisamos reivindicar mudanças profundas nas relações sociais, políticas e econômicas para que a estrutura hoje existente seja alterada. Ainda segundo o autor, é preciso entender que o racismo é estrutural (conforme a figura do iceberg), e não um ato isolado de um indivíduo ou um grupo e isso nos torna ainda mais responsáveis pelo seu combate.
Enquanto lutamos e aguardamos que essas reformas mais profundas e complexas aconteçam, precisamos lembrar que da mesma forma que a estrutura influencia os indivíduos, também é influenciada por eles; por isso não podemos nos isentar da nossa responsabilidade individual (alegando ser culpa da estrutura), pois se atos isolados não são capazes de modificar o panorama geral do racismo em nosso país, certamente podem melhorar as relações nos locais onde estivermos. Precisamos “arregaçar as mangas” e iniciar a mudança com ações simples, independente do lugar que ocupamos.
Se você é liderança na área educacional, é importante refletir o quanto tem auxiliado sua rede a refletir sobre o tema, pensar se existe um diagnóstico real que oriente a criação de políticas e orientações de combate ao racismo e respeito à diversidade e analisar: qual a representatividade do grupo que formula essas políticas em seu espaço de atuação?
Se você é gestor/a já analisou se a caracterização da comunidade escolar que consta no projeto político-pedagógico de sua escola, traz dados relacionados a cor/raça dos/as estudantes e profissionais da unidade? Se sim, que uso você faz desses dados para pensar as ações e projetos que serão desenvolvidos coletivamente? Já promoveu alguma pesquisa entre estudantes, profissionais e famílias para saber se já sofreram algum tipo de preconceito em decorrência da cor da sua pele? Já analisou se o livro de ocorrências traz eventos relacionados ao racismo e como esses casos são resolvidos (olhando só para o evento ou analisando o que está abaixo dele)? Promove formações relacionadas ao tema para os/as docentes?
Se você é docente, elabora seu planejamento pensando em ações de conscientização, debates e valorização da cultura africana fora de datas como libertação dos escravos e consciência negra? Observa o comportamento e escuta ativamente os/as estudantes, os/os orientando para o convívio na diversidade? Traz o tema para conversa com as famílias durante as reuniões?
As famílias também devem conversar abertamente com as crianças e ensiná-las a tratarem todos/as com igualdade; devem valorizá-las, ensiná-las a se valorizar, reconhecer e denunciar atitudes racistas.
Empresas devem repensar suas políticas de acesso, monitoramento das desigualdades e o quanto estão ou não promovendo espaços de discussão e valorização da diversidade.
E todos/as, sem exceção, devem praticar o antirracismo, ou seja, não basta não ser racista, é preciso adotar uma postura ativa de combate ao racismo.
Pare, pense, autoavalie o que você pode fazer, saia do campo das ideias e aja!
Como disse Nelson Mandela:
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Silvio Luiz. Racismo estrutural. São Paulo: Editora Jandaíra. 2020.
SENGE, Peter. Escolas que aprendem: um guia da quinta disciplina para educadores, pais, e todos os que se interessam pela educação. Porto Alegre: Artmed. 2005.
O que podemos aprender com Nelson Mandela? Revista Seleções, 2019. Disponível em <G:Drives compartilhados2021_InstitutoJoaoMaria2021_DocumentosDiagnostico
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