por Maria Luiza Ramos
31/03/2025
Diante dos avanços tecnológicos e dos desafios sociais, sanitários, econômicos, democráticos e ambientais que estamos vivenciando e que seguirão em nosso cotidiano nas próximas décadas, acreditamos na retomada do humanismo como fator fundamental para superá-los. Todo tipo de inteligência tem implicado em si o ato de aprender. Nesse sentido, o contexto atual vem demonstrando a importância de revisitarmos os processos e espaços de aprendizagem humana tanto em termos de como são concebidos em seus fundamentos quanto nas formas de acesso e nos mecanismos que vinham sendo utilizados até então. Uma das necessidades urgentes é sair da esfera de aprender conteúdos e passar para a esfera da autonomia, que permite um aprendizado contínuo, considerando não somente os aspectos intelectuais, mas também o amplo espectro que envolve o desenvolvimento pleno dos seres humanos.
Os avanços das tecnologias da informação e da comunicação incitam a aprendizagem como algo cada vez mais líquido, uma vez que os acontecimentos se tornam rapidamente obsoletos, característica da modernidade líquida tão bem abordada por Zygmunt Bauman (2001). Ainda é necessário considerar que o advento da inteligência artificial (IA) permitirá que a humanidade faça uso de aprendizagens proporcionadas pelas máquinas, ao mesmo tempo que elas substituirão, em alguma medida, a produção de conhecimentos que era atribuída às pessoas.
A proposta de aprendizagem ao longo da vida vem nos mostrar que estamos expostos à necessidade de torná-la um movimento contínuo em nossas trajetórias, seguindo um fluxo de aprender, ressignificar e reaprender de maneira constante.
Considerando que, segundo o Institute For The Future, 85% das profissões que existirão até o ano de 2030 ainda não foram inventadas e que as demandas relacionadas a variáveis tecnológicas, sociais, sanitárias, econômicas, demográficas e ambientais geram grandes desafios a serem enfrentados nas esferas do equilíbrio emocional e da saúde mental e nas relações socioecológicas, precisamos nos preparar de maneira bem diferente do que vínhamos fazendo, na grande maioria dos casos, para lidar com esses contextos.
A inteligência genuinamente humana se expressa em um conjunto de competências humanizantes, para além das competências socioemocionais tão propagadas atualmente. Contudo, convém ressaltar que esse não é um espectro definitivo, uma vez que inevitavelmente as circunstâncias históricas mudam e exigem um movimento de adaptação.
As competências globais que compõem a inteligência genuinamente humana são: competência de aprender intencionalmente, competência socioemocional, competência criativa, competência colaborativa, competência em diversidade cultural, competência contemplativa, competência cívico-digital, competência em futuros e competência em design regenerativo.
Além das nove competências globais que compõem a inteligência genuinamente humana, existe uma estética transdiciplinar, ou seja, o ato de criar em sua relação estreita com os sentimentos (sentir), guiando a lógica (pensar) e a ação ética (agir) no mundo. A ideia é que pensamento, sentimento e ação atuem harmonicamente, direcionando para realização de ideias admiráveis por serem saudáveis para o indivíduo (autoconsciência), para as outras pessoas (consciência empática) e para o todo (consciência sistêmica).
A inteligência genuinamente humana é aquela que difere da inteligência artificial – sem menosprezá-la – e busca potencializar o que é inato aos seres humanos e que as máquinas ou não substituirão com facilidade ou não serão capazes de substituir. Envolve criatividade, conexões e relações mais profundas dos seres com eles mesmos, com os outros e com o mundo (social e natural).
Além de nos prepararmos para lidar com os desafios e as oportunidades provenientes dos avanços da inteligência artificial (o que por si só já é uma grande questão), precisamos, enquanto coletividade, voltar a atenção à outras questões complexas que requerem cuidado.
Diante dos cenários que se descortinam no mundo externo, para dar conta do que vem sendo apresentado, devemos potencializar o humano que nos habita, aprendendo a observar e lidar não somente com o que está lá fora, mas sobretudo com o que carregamos internamente. E isso pressupõe termos consciência de nossos modelos mentais e nossa forma de interagir “no e com” o mundo. O desenvolvimento genuíno requer assumirmos responsabilidade sobre nossas vidas e a parcela do coletivo que nos cabe. Essa é uma tarefa urgente na qual devemos todos nos empenhar.
No contexto de crescente complexidade em que vivemos, a percepção superficial, linear e simplista dos fenômemos tende a não possibilitar uma leitura, e consequente ação, adequada às efetivas demandas das realidades que nos permeiam. Os fenômenos a que somos expostos, desde as condições de saúde de cada indivíduo até os aspectos ambientais e econômicos, por exemplo, considerando sua natureza complexa, exigem um pensamento sistêmico para analisá-los. Ou seja, demandam uma percepção de que existem muitas variáveis envolvidas em um dado fenômeno, as quais, ao se relacionarem, geram movimentos, muitas vezes, imprevisíveis.
Desenvolver o pensamento ou a percepção sistêmica é uma construção interna de cada indivíduo. E as construções internas têm reflexos no mundo externo, uma vez que a maneira como vemos irá determinar como e quanto da realidade conseguiremos observar e interpretar.
E ai, ficou interessado no assunto? Quer saber mais sobre cada uma dessas competências? Fica aqui o convite para conhecer mais sobre o tema no livro “Inteligência genuinamente humana: competências globais para a vida e o trabalho agora e no futuro”.
Referência:
Anastácio, M. R. e Gouvêa, T. Inteligência genuinamente humana: competências globais para a vida e o trabalho do agora e no futuro. São Paulo: Nelpa, 2022.
Comente qual sua opinião sobre esse texto!